O homem que encolheu, ou TPN
Todo o aposento é um laboratório. Todo o bom observador um cientista. Todo o desatento uma cobaia. Observe, meu companheiro, como o cunhado do anfitrião doma todos os comensais à mesa; como gesticula com força, precisão e teatro; como dobra chistes, como sorri e gargalha alto. É o senhor da festa, o festim é para si, devora as guloseimas, as carnes suculentas e os olhos dos convivas. Vê como trata a sua mulher, rouba-lhe a vez e as palavras, substitui-as pelas dele, muito mais adequadas, de timbre muito mais grave, de filosofias as mais perenes. Os convidados à mesa precisam de tomar cuidado com o homem: uma negativa, uma colocação contrária às suas, pode lhe causar um aneurisma; enfia às mãos aos bolsos, dá um passo para trás, fecha o cenho. Como reage ele de pijamas, sem os seus bolsos para esconder as inseguranças? Mete-as na boca? As duas juntas? Ria-se à vontade, mas asseguro-lhe que o melhor está por vir, meu bom companheiro. O sobrinho do anfitrião está atrasado, muito atrasado, mas tenho a certeza de que virá. Carrega o jovem a estrela, tem o mel, as pessoas lhe são atraídas, seria um líder não fosse o temperamento vagabundo e indolente. O nosso Grande Homem o detesta, chama-lhe punga às costas, diminui-lhe a inteligência para os mais íntimos, inveja-lhe até os fracassos. Eis o homem, como diria Pilatos. Observe o cunhado do anfitrião, como se lhe vão apagando as luzes. Os comensais se animam, levantam-se, cumprimentam o jovem. O Grande Homem espera a sua vez. Será o último. O sorriso com que joga para cumprimentá-lo é como a expressão que se faz quando se recebe areia aos olhos. Aperto de mão rápido, logo se afasta. As atenções todas no rapaz. O Grande Homem fica de pé, mira cada conviva como um réu criminoso a fustigar as testemunhas que lhe são contrárias. Pode-se dizer que lhe faltam mesmo alguns bons centímetros agora. Para onde foram? O cunhado aproxima-se da mulher. Agora, ao que parece, ela adquire existência. Fala-lhe baixo, mal desenhando as palavras, e deixa o aposento, deixa-se ir pequeno para as sombras. Meu bom companheiro, dê-lhes os doces, os carinhos, os peitos fartos de leite, os castelinhos de madeira e os soldadinhos de plástico e verá o almejado quadro da felicidade satisfeito. Parece-lhe rídiculo? Ah! Chega-nos a sobremesa, calemo-nos e comamos.