Eu, Pavlinka N. Lyadova

Alguém em algum lugar, acho que uma mulher, escreveu que se você mencionar um revólver no primeiro ato de uma peça, esse revólver deverá ser disparado no terceiro. Menciono aqui que há uma pistola automática sobre a mesa onde escrevo essa ''missiva'', mas não sei, não posso afirmar se ao final ela será ou não disparada.

Estou em um quarto de hotel. Não sei se em algum lugar da Ucrânia, não sei mesmo se em algum lugar do Leste Europeu. Há muito tempo tenho escutado apenas a língua russa e o inglês, fala-se inglês em todos os lugares, fala-se inglês até onde se fala russo. Lembro de um homem que gritava em algum lugar ''J'ai faim de femmes! J'ai faim de femmes!''; a única exceção. Meu 'inquilino', é assim que Eles os chamam, está na cama: não sei se desmaiado ou morto, ou entre uma coisa e outra. Eu o observo agora enquanto escrevo estas palavras. A pistola lhe pertence. É um tanto cômico mencioná-lo, mas com o seu celular procurei me informar na Rede sobre como dispará-la. É mórbida a curiosidade que se sente, ao se ter nas mãos um revólver, de lhe mirar o buraco do cano. Fiz o mesmo com uma espingarda de meu pai uma vez, ele estava junto de mim e me deu um forte tapa no rosto. Penso que se a pistola, há pouco, houvesse disparado entre os meus olhos, e se ele estivesse fisicamente ao meu lado, talvez ele não se importasse.

O relógio me diz que tenho dez minutos com o Inquilino. A chave da porta, que estava com ele, está sobre a mesa também. Mas sempre há A sombra, que fica no corredor, esperando pela sua saída. As janelas estão lacradas, ou talvez me faltem as forças, de todo modo não poderia fazer alaúza aqui dentro. Eu tenho comigo três escolhas, ou melhor, três alternativas: escolha, na economia das coisas que sentem, está sempre no singular: abrir a porta, chamar A sombra, e contar o que aconteceu; abrir a porta, chamar A sombra, contar o que aconteceu, e tentar apagá-lo pelas costas; mirar novamente o buraco do cano, sentir o frio da máquina, e talvez o que minha amiga descrevia como ''pulsão de morte'', e voltar para casa.

A sombra fala agora. A sombra bate na porta. Eu lhe respondo, mas a minha voz é um simulacro imperfeito, não vai enganá-lo por muito tempo, porque o quarto onde estou não me parece mais real. Somente esta missiva, como eles costumam dizer, tem realidade, e eu estou pronta, eu acho, porque a minha pulsão é de vida, e sobre a mesa eu tenho duas chaves, cujo metal é frio e leve, e eu não tenho mais medo porque sei agora que de qualquer modo A sombra vai adentrar o meu quarto.