A crise interna do célebre personagem

- Se por um lado é dispensável dizê-lo, por outro, a título de argumentação, é absolutamente necessário: sou famoso. Eu gostaria de lhe falar hoje sobre um... problema... relativo a minhas redes sociais. Sempre, em minhas postagens, há um comentário que eu considero negativo, jocoso e impertinente. Os seus emissores os mais variados. Ontem mesmo, recebi mais de trezentos comentários numa postagem noturna e havia um ou dois que me desafiavam. Eu tive absolutamente de respondê-los. Os outros duzentos e noventa e oito? Os outros comentários? O que tem eles? Eram positivos, amigáveis, elogios, trivialidades, nada de mais, não lhes dei atenção, por que deveria? Sim, respondi rispidamente aos outros dois. Por que dar-lhes atenção? Mas não é óbvio? Eles desafiavam quem eu era. Pedra no sapato? Sim, exatamente. O que é uma pedra no sapato? Algo tão pequeno que cabe dentro de um sapato que, pela sua própria natureza, é mínimo, e tão pequeno ainda que divide no seu interior o espaço com um pé que o preenche por inteiro, mas que inferno ele é! O que são os outros comentários? Metaforicamente? Ah, eu nunca pensei nisso. O efeito de quem eu sou e do que eu faço: uma consolidação. No campo, o artilheiro de futebol, após marcar o seu gol, espera os aplausos do público, sem pensar individualmente naqueles que o produzem, e nem o poderia! O aplauso é uma abstração, um efeito de uma grande e nobre causa. São assim os que me seguem e que me louvam? Sim, exatamente. Uma abstração. Não sei quem são, mas não viveria sem metade deles. Os outros... me impedem de viver. São como o beliscão que me acorda dos sonhos. Não sou unanimemente feliz, não sou unanimemente belo, não sou unanimemente rico, não sou uninamimente único e especial? Então não o sou, definitivamente. Preciso combater essas pequenas pedras que fazem eu sentir que estou no chão, preciso ver seus rostos e preciso.... preciso ab-reagir severamente que... minha réplica a eles é um diálogo comigo mesmo, não é a eles que convenço quem eu sou, é a mim, é a mim! Agora percebo claramente. Sim, tem razão. Pedras no sapato! Digo-lhes que sou confiante, que sou forte, e uma reprovação... me derruba como um frágil castelo de cartas, por dentro, é claro... minha réplica às pedras me faz parecer forte e bravo aos olhos dos outros, pois fui lá e a encarei, a maldita pedrinha, mas o que me denuncia realmente é a indiferença para com os que me dão carinho... de todos, de todos eles, veja bem, o único a quem deitei os olhos foi o meu agressor, e por quê? Porque ele, em sua pequenez, e na minha incapacidade de ignorá-lo, é o reflexo da minha insegurança ou, mais do que isso, da minha realidade, da minha condição de réu, dolorosíssima, sim, dolorosíssima, para quem sempre se entendeu, pela fama e pelo dinheiro, como juiz. Não, não, eu não posso mais. Devo cancelar minhas redes sociais por um tempo? Definitivamente? Não! Não poderia! Que espelho me seria suficiente então? Que reflexo poderia ser mais atraente que o olhar do outro, e agora multiplique esse par de olhos idólatras milhares de vezes e perceba... perceba que... me faltam palavras, me sinto mal, as pedras, as pedras!

- Não, a realidade.