A cafeteira
Sabia que o bule verde esmaltado, todo pomposo, lhe havia tomado o lugar, mas ela não perdia a velha elegância. E já nem mais frequentava a mesa, relegada que fora à prateleira, dividindo espaço com as latas de mantimento, a máquina de moer carne e até ele, o já arcaico, mas bem prosaico, almofariz de bronze. Cafeteira, quanta história tinha pra contar!
Feita dum metal estanhado, mantinha o perfil longilíneo, mesmo tendo abrigado tanto café em seu bojo. E a bem da verdade, para si, até que dessa danada rubiácea, tinha até nojo. Mas nada falava. Recebia-o quentinho e até o fundinho o ministrava, indiscriminadamente a copos de latão, a xícaras de louça nalguma solene ocasião. O que não tolerava, mas nem o bico abria, era quando não se a lavava. Brava ficava, de bico empinado.
Viu tanto bolo ser esquartejado, tanto queijo fatiado, tanta quitanda em seu passado. Pão com manteiga era o mais frequente, pra ir com o café quente. Mas numa ocasião festiva, de pão a bandeja era esquiva, abarrotada que ficava de biscoitos fritos, de ovinhos de cutia e até da panhoca, de que pouco se ouve hoje em dia.
Nas mãos de Dona Inhana, de menina recém-casada, a bisavó já anunciada, sentia a digna cafeteira a carícia lisonjeira. E mesmo hoje, do cantinho da prateleira, ainda se lembra, se refestela da boa vida que era aquela, ainda que - sem bule e sem bulício - tão singela.