HORA DE DESPERTAR

Muito magro e abatido, o velho Edgard se sentou na cama, que desde que sua esposa morrera vitimada por um câncer de útero há cinco anos, se tornara muito grande para ele.

Não obstante o imenso curativo na testa, o ferimento ainda latejava e sua mente vagava um tanto confusa. Parece que sofrera um acidente de automóvel, mas, sinceramente não poderia precisar se o fato ocorrera há dias ou há meses. E seu filho e sua nora, por que o ignoravam? Todos os dias uma enfermeira atenciosa e gentil vinha trocar os curativos e trazer-lhe a refeição — uma sopa rala e insossa. "Bem, pelo menos o meu filho contratou uma enfermeira para cuidar de mim; espero que não seja muito cara", refletiu o viúvo acidentado.

Edgard estava imerso em seus pensamentos, quando de repente um homem alto e elegante e uma jovem mulher coberta de joias adentraram o quarto. Sem dizer uma única palavra, o homem recém-chegado foi até ao cofre localizado na parede próximo à cabeceira da cama, abriu-o e retirou um maço de notas.

— O que significa isso, Inácio? — Interpelou o velho genitor indignado. Como ousa pegar dinheiro do meu cofre sem a minha autorização? Por um acaso estou invisível? Esse dinheiro é meu, fruto do meu trabalho. Eu exijo que o recoloque de volta no cofre imediatamente. Inácio fitou a grande cama por um instante e com certo rancor na voz, falou:

— Velho sovina, finalmente essa fortuna encontrou alguém que saberá usá-la bem.

— Não devia falar assim do seu pai, Inácio — advertiu a jovem senhora.

— Ah, sem essa, Renata, o velho já era. E enquanto Edgard vociferava pragas contra o casal, Inácio e esposa deixavam o quarto sem lhe dar ouvidos.

O velho desejou ir atrás deles e lutar para recuperar o seu dinheiro, porém, ainda se sentia muito fraco para sair do quarto.

Pela primeira vez em sua vida, Edgard chorou amargamente. Seu próprio filho não tinha nenhum afeto por ele e só queria o seu dinheiro. Todavia, como culpar o filho agora, uma vez que ele mesmo passara a vida toda preocupado em acumular fortuna? Mesmo sendo repreendido em algumas ocasiões pela esposa, quantas vezes sacrificara voluntariamente as alegrias familiares em busca de mais ganhos financeiros? Um remorso inédito solapava agora a sua alma inquieta.

— Bom dia, seu Edgard, eu trouxe sua sopinha — falou a dedicada enfermeira que acabara de chegar.

— Pode levar essa droga embora, não quero.

— Nossa, como o senhor está rabugento hoje! Vai mesmo me fazer essa desfeita? — E sem esperar por uma resposta, a enfermeira prosseguiu:

— Vamos, Edgard, coma a sua sopa. Você precisa ganhar forças; não pode passar o resto da vida nesse quarto.

— Acontece que não tenho a mínima vontade de sair, enfermeira — redarguiu o velho desalentado.

— Vanda, pode me chamar de Vanda, Edgard — e com uma voz mais afável a enfermeira esclareceu:

— Se não se alimentar, não terá condições de receber a sua visita. Ao ouvir a palavra 'visita', imediatamente os olhos de Edgard adquiriram um súbito brilho.

— Quem virá me visitar, dona Vanda?

— Alguém que o ama muito, Edgard, e que me pediu que cuidasse de você até que pudesse vir pessoalmente. Falo de Alice, sua adorada mãezinha.

— Ei, não brinque comigo, enfermeira, minha querida mãe faleceu já faz vinte e dois anos.

— Não estou brincando, Edgard — frisou a enfermeira de modo sério. — Sei que isso pode ser um choque pra você, mas, já é hora de aceitar a nova realidade. Ambos estamos mortos, ou melhor, desencarnados. É por isso que você não recebe visitas e todos parecem ignorá-lo. Para seu filho, sua nora e todos que o conheceram na Terra, você está morto e sepultado, Edgard.

— O que é isso!? Pelo visto meu filho escalou uma débil mental para cuidar de mim. Mesmo estando algo confuso, recordo de ter sofrido um acidente de carro. Naturalmente fui tratado em algum hospital enquanto permaneci inconsciente e depois os médicos me liberaram para continuar o tratamento em casa. Sim, foi isso mesmo o que aconteceu.

Sem se perturbar, a mulher passou pela parede do quarto como se a matéria não lhe oferecesse nenhum obstáculo, em seguida retornou ao quarto atravessando a mesma parede. Edgard arregalou os olhos; estava estupefato. A enfermeira então tratou de esclarecer:

— Edgard, há cerca de um ano você voltava sozinho à noite após uma reunião de negócios com alguns empresários, quando sob o efeito de álcool, avançou um sinal vermelho, vindo a colidir com outro automóvel. A batida foi muito violenta, você ficou preso nas ferragens, vindo a desencarnar ali mesmo. Como o acidente ocorrera há alguns quarteirões de sua casa, você, já em corpo espiritual, se arrastou até sua casa e caiu muito ferido e desacordado em sua cama. No início alguns médicos da nossa dimensão cuidaram de você, e quando teve uma melhora geral no seu quadro e recobrou a consciência, passei a lhe dar assistência. Tudo graças à intercessão de sua mãe, Edgard, que é uma incansável trabalhadora do nosso plano. Ainda incrédulo e se tocando com as mãos, o velho insistiu:

— Mas, como pode ser isso, dona Vanda? Meu corpo é sólido, veja! Sangra, tem necessidades fisiológicas, sente dor, frio, calor, náuseas, sede, fome etc.

— Assim como eu, você desencarnou, Edgard, mas continua tendo um corpo. Com o tempo passará a entender melhor sua situação. Por hora, tome seu caldo nutritivo e procure descansar.

Transcorridas algumas horas após a incrível descoberta da vida além-túmulo, o velho Edgard pediu à enfermeira, agora sua amiga, autorização para caminharem no jardim da sua residência.

— Claro, Edgard — Vanda anuiu satisfeita — um pouco de ar lhe fará muito bem. Os dois então caminharam até o belo jardim e se sentaram em um banco de madeira perto da piscina. Sob o olhar atento do velho viúvo, os funcionários da casa iam e vinham sem se dar conta da presença dos dois. Conversaram por algum tempo, até que Edgard resolveu voltar para o quarto, desejoso de meditar sobre tudo aquilo que acontecera. "Será que minha mãe virá mesmo"?

Sozinho e deitado em sua cama de casal, o velho percebeu uma pequena luz surgir em seu aposento. Pouco a pouco a luz esbranquiçada foi crescendo e adquirindo uma forma humana. O coração de Edgard quase saltou do peito quando pôde finalmente reconhecer a figura de sua amada genitora. Sim, era ela mesma, porém, sua mãe parecia-lhe agora ainda mais bela e radiante.

— Mãe, você veio mesmo; há quanto tempo, meu Deus! A matrona abriu os braços e disse:

— Venha meu filho, não tenha receio. Graças ao amor e à bondade de Deus Nosso Pai, estamos juntos novamente. Mãe e filho então se abraçaram longamente e o velho Edgard percebeu extremamente comovido que uma luz azulina irradiava do peito de sua mãezinha. Controlando um pouco suas emoções, Edgard indagou:

— Como está minha esposa, mãe?

— Não se preocupe, meu filho, Esther está bem e seguindo seu próprio caminho.

— Ah, mamãe, eu me sinto tão infeliz e cansado. Por favor, não me deixe.

— Venha comigo, Edgard. Não há mais nada pra você aqui. Desapegue-se do dinheiro, das joias, da casa, dos móveis e das demais propriedades, pois nossos verdadeiros tesouros são as virtudes que vamos adquirindo ao longo das múltiplas experiências na carne e fora dela. Deixe nosso filho e nossa nora em paz e ore para que um dia eles possam enxergar a importância de conquistarmos os bens reais do espírito. Então, como se estivesse dominado pelo efeito de um tranquilizante salutar, Edgard adormeceu nos braços da genitora, e como duas luzes que aos poucos fossem se apagando, mãe e filho abandonaram aquele triste lugar.

No luxuoso quarto do casal, a jovem e bela esposa do filho de Edgard se olhava num espelho de corpo inteiro, experimentando um vestido preto de noite, com o qual pretendia brilhar em mais uma badalada festa da alta sociedade paulistana. O Espírito Vanda entrou no aposento íntimo e enlaçou a moça num doce abraço. Em seguida observou:

— Por hora minha missão aqui terminou. Sei que você não chegou a me conhecer nessa vida, minha irmã, pois renasci três anos antes que você viesse, e por ter nascido com deformações nas pernas e nos braços, nossos pais, tomados de horror e vergonha, deixaram-me em um orfanato, dando uma vultosa quantia em dinheiro para as freiras que administravam a instituição. Todavia, quero que saiba que você é parte do meu coração, Renata, e sempre que me for possível, virei te visitar. Sei que não é religiosa, mas, procure pensar em Deus e em Jesus. Até breve! Para a surpresa de Vanda, Renata soltou um leve suspiro e disse:

— Amei o abraço, meu anjo bom, obrigada! Espero que o seu Edgard esteja indo com você.