CORPO DE ATOR

Quando ele nasceu logo foi socialmente batizado.

Era gente, tinha dignidade, isso posto, alguém também logo lhe disse: "você será seu ator!".

Tudo seria logo, porque era preciso pressa, já que dizem, ainda hoje, que a vida nunca espera ninguém.

Ele , então, logo se animou a atuar.

Era criança ainda mas logo cresceria...cresceria e cresceria e logo encenaria além da conta, porque afinal seria ele o seu ator principal.

Não entendia, ainda, o que seria encenar. Mas guardou seu ofício na mente o que exerceria de coração.

Queria sim, então, era ir logo à escola. Todo mundo dizia que era preciso e urgente.

Primeiro dia de aula e logo a professora lhe confirmou:"nunca se esqueça , é você o ator!". Ele ouvia...mas não entendia. Queria logo encenar. Parecia ser algo premente e bem legal e ele se sentia orgulhoso e poderoso com aquela asserção irrefutável.

O tempo passava.

Um dia, criou coragem e resolveu questionar:

"Professora, tão logo eu nasci eu já era o meu ator. Ator...do quê?"

A professora, naquela aula inédita, logo lhe explicou enfaticamente, porque ela também acreditava ser o que todos eram:"você é o ator social do seu palco...do seu tempo...do seu roteiro...do seu destino, acredite, resista!

Saiu dali pensativo e animado. Tudo estaria na sua capacidade de encenar.

O tempo passou. Ele tentou. Foram várias as vezes que resistiu.

Tão logo desistia da encenação árdua tão logo voltava aos palcos invisíveis da resistência humana para cumprir seu papel.

Afinal ele era seu ator!

Tinham lhe dito!

Tinham lhe prometido!

Tinham lhe convencido!

E ele acreditava.

Buscou, clamou, rogou...pelo papel que nunca lhe chegava...a despeito de ser ele seu irrefutável ator.

Envelheceu tentando encenar seu script desconhecido.

Envelhecia e resistia...

Um dia a cortina se fechou. Não mais resistiu.

Silêncio abissal no palco almejado.

Agora era ele um legítimo corpo de ator inanimado, suado,sucumbido num impecável papel da morte prenunciada sobre a quase vida que nunca encenou.

Agora e tão logo, finalmente um ator de si mesmo, um morto que sempre tentara encenar a vida em vida.

Vida que lhe fora justa no último instante, a lhe ceder a última cena , a lhe apregoar o duro ato final: o da inexistência consumada .

E tão logo, tão depressa como sempre lhe fora, descansou do perene ato,onde não havia platéia que pudesse aplaudir o corpo heroico dum grande ator invisível.