OITAVO DIA

Sentira dor... tomara analgésico, passara pomada anestésica no ânus. O câncer voltara? Deitara-se em concha com a cadela no meio, sentira frio, um frio inusitado para alto verão, seria febre? Em pouco tempo adormecera,emitira alguns gemidos. Sonhara sonhos confusos, cadáveres entrevia-se pelas frestas do forro. Acordou com um som similar ao de fios de alta-tensão em curto. Levantou-se num sobressalto, correu à cozinha, onde dois olhos verdes fluorescentes percorreram a parede e sumiram. Voltou para a cama, caiu em sono profundo.

Já amanhecera quando acordou, embora a luminosidade fosse diferente.Ao abrir a janela o cão do quintal, olhos arregalados, saltou várias vezes uma altura incomum que transpôs em muito o parapeito. Havia um cheiro de terra molhada e a árvore tombara de tal modo que era-lhe impossível visualizar a rua.Havia sons de pássaros canoros, muitos, assim como cantos de galos e alguns latidos instantes de cães da vizinhança, afora isso, nenhum som mais, um silêncio de carros e vozes...

Ao olhar para os lados percebeu que não havia mais casas, apenas árvores do porte de sequoias adultas, teve a impressão de que sua casa ocupava a copa de uma dessas, como em Joãozinho e o Pé de Feijão. Algo dizia-lhe para não estranhar nada. Ao ligar o rádio descobriu não haver mais eletricidade, no entanto, imediatamente, seguiram-se no ar todas músicas de seu agrado e pode percebê-las a contento.. Ao pegar um livro para ler , descobriu que nada mais impresso era-lhe compreensível e uma revoada de histórias ocorreram-lhe de chofre.

Sentiu fome, sabia que a geladeira estava vazia, mas ao abri-la constatou que estava, assim como a despensa, abastecida de víveres para o mês inteiro. Havia cinco maçãs, ao comer uma, dividiu-a com a cadela Nega e percebeu que restavam-lhe cinco maçãs na geladeira, a qual funcionava mesmo sem eletricidade.

Tanto ele quanto Nega não sentiram mais fome pelo resto do dia. Pouco a pouco foi percebendo muitas coisas estranhas, a dor cessara por completo e conseguia conversar com a cadela sem emitir uma única palavra, as plantas ao redor da casa cantavam, assim como as cores das flores , e então, sentiu uma alegria indescritível...

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 26/01/2020
Reeditado em 27/01/2020
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