O Bom Povo de Roma versus Macabeus
O tribunal estava cheio, visto que o julgamento atraíra grande número de curiosos; por conta disso, a guarda fora reforçada do lado de fora. Os romanos temiam que os judeus pudessem estar planejando alguma ação contra a prisão de três dos seus jovens, mas uma observação mais atenta por parte dos espiões infiltrados entre o populacho, logo determinou que quem estava ali não tinha mesmo coisa melhor para fazer. Julgamentos podiam, ao menos, viabilizar uma ou duas horas de diversão - às custas da miséria alheia.
- Todos de pé! - Anunciou o meirinho, entrando no recinto dominado por um grande estrado de madeira onde haviam sido colocadas alguns bancos e uma cadeira curul para o magistrado. - Queiram receber aquele que irá propiciar a justiça de Roma: o honorável pretor Secundus Accius Longinus!
O pretor, um cidadão de porte militar e cabelo grisalho cortado rente, entrou em seguida, envolto numa longa toga pretexta branca, debruada de púrpura. Acomodou-se na cadeira curul e aguardou enquanto seus assessores e amigos instalavam-se nos bancos que o ladeavam. Finalmente, bateu palmas e declarou:
- A corte está em sessão!
E virando-se para o meirinho:
- O que temos para hoje?
O meirinho desenrolou um papiro e leu em voz alta:
- O Bom Povo de Roma versus Macabeus, excelência.
- De novo - resmungou o pretor. - Pois, vamos logo a isto.
- Que entrem os macabeus! - Ordenou o meirinho, voltando-se para a entrada do tribunal.
Os três rapazes, atados um ao outro por correntes de ferro, foram conduzidos através da plateia por meia dúzia de legionários, pilos em punho. O grupo parou em frente ao estrado do pretor, que os encarou com desdém.
- Que acusação pesa contra esses macabeus... além de serem macabeus? - Questionou Secundus Accius para o meirinho.
- Retiraram a águia de ouro, símbolo de Roma, do topo do templo de Jerusalém - leu o meirinho no papiro. - Foram presos em flagrante pela guarda da cidade, e jogados na prisão pelo seu ato de vandalismo.
- Está escrito aí que foi vandalismo? - Questionou o pretor, mão no queixo.
- Sim, excelência - aduziu o meirinho. - Tecnicamente, foi caracterizado como vandalismo, já que os macabeus não tiveram tempo de derreter a águia e usar o ouro para bancar a sua rebelião contra Roma, que como sabemos, é o que move esses meliantes...
- Permissão para falar, excelência - disse o jovem do meio da trinca, erguendo o braço direito.
- Permissão concedida - acedeu o pretor. - Você, como se chama?
- Sou Adiel ben Eli Ran - identificou-se o rapaz. - Com a devida vênia, gostaria de corrigir a informação dada pelo meirinho: não era nosso plano derreter a águia para comprar armas com o valor da venda do ouro. Na verdade, nós iríamos jogá-la no canal de água de Jerusalém.
- "Canal de água servida", excelência - cochichou um dos assistente ao ouvido do magistrado. - É a Cloaca Máxima deles.
O pretor ergueu os sobrolhos.
- Como então, Adiel, filho de Eli Ran, vocês pretendiam atirar o símbolo máximo da autoridade romana no esgoto da cidade? É tamanho assim o seu desprezo pelo bom povo de Roma?
- Não temos nada contra o povo de Roma, excelência - declarou mansamente Adiel. - Mas não suportávamos mais a visão daquele ídolo pagão sobre o nosso templo sagrado.
- Cuidado com suas palavras, rapaz, ou terei que lhe dar uma sentença condizível com sua demonstração de impiedade - advertiu-o o pretor, inclinando o corpo, mãos nas coxas.
- Para nós, a morte é uma libertação que encaramos com alegria - replicou desafiadoramente Adiel. - Temos certeza de que na vida futura, nosso Deus nos recompensará pela fidelidade demonstrada neste mundo.
- Então vocês cometem atos vis contra a autoridade estabelecida, na crença de que sua divindade lhes reserva um Campos Elísios no pós-vida? - Inquiriu Secundus Accius, dedo em riste. - Sabe qual é a denominação oficial para isso?
Como os acusados eram macabeus, todos os presentes já sabiam do que se tratava.
Na manhã seguinte, sem muita burocracia, os três foram crucificados fora dos muros de Jerusalém.
- [15-01-2020]