Qualificações

- Você trabalhou seis anos como operador de destilação? - Indagou o gerente da usina, olhando o entrevistado por cima do currículo.

- Sim, seis anos, usina de grande porte - confirmou Fernando Ventura. Afinal, era o que estava escrito no papel, não é mesmo?

- E saiu da profissão há quinze anos - prosseguiu o gerente, ajeitando os óculos no rosto.

Ventura ficou tenso; era a partir daquele momento que as coisas "degringolavam" nas entrevistas.

- Sim... eu tive uma oportunidade para mudar de profissão e ganhar mais.

- Como professor universitário, numa universidade federal? - Questionou o gerente, encarando-o atentamente por cima dos óculos.

- Sim, houve um concurso e eu passei em primeiro lugar - admitiu Ventura.

O gerente balançou a cabeça, baixando o papel sobre a mesa.

- Eles pagavam bem, não é?

Aparentemente, uma pergunta retórica.

- Eu fui contratado em regime de dedicação exclusiva - defendeu-se Ventura. Malditos entrevistadores!

- Claro, claro - acedeu o gerente em tom afável. - As federais pagavam bons salários, os professores tinham muito tempo livre e benefícios generosos... por isso não continuou na profissão?

Ventura ajeitou-se na cadeira.

- Depois que as universidades federais foram privatizadas, eu realmente não tinha a menor intenção de continuar dando aulas - declarou. - Pelo menos, não nas condições que nos foram oferecidas, contratos temporários e salário por hora/aula.

- E então resolveu voltar às origens? - Instigou-o o gerente.

- Eu sei que se passaram quinze anos, as técnicas podem ter mudado, mas eu era um bom operador - replicou Ventura. - Só preciso de uma chance.

- Naturalmente - redarguiu o gerente, juntando as mãos sobre a mesa.

Seguiu-se um curto silêncio, e em seguida, o gerente voltou a falar.

- A vaga é sua.

Ventura encarou-o surpreso.

- Deve estar se perguntando o porquê - comentou o gerente, parecendo divertir-se com a cara dele.

- Não estou duvidando que vá me dar um crédito pela minha experiência, mas... sim, por quê?

O gerente abriu as mãos.

- Muitas coisas mudaram neste país nos últimos anos. Alguns dizem que eram mudanças necessárias, outros as criticam. O que eu sei, por experiência própria, é que nada é para sempre. Quando esta fase chegar ao fim, vamos precisar de gente como você a postos, para ocupar seus antigos lugares.

E perante o olhar estupefato de Ventura, concluiu:

- E não me refiro à linha de produção de uma usina de álcool.

- [12-01-2020]