UMA CABEÇA NA BOLSA

Dias atrás, eu atravessava um cruzamento no centro da cidade quando uma senhora carregando uma bolsa de lona passou por mim. Era uma mulher de meia idade, magra, discreta, do tipo capaz de andar, sem ser notada, numa rua deserta em pleno domingo. No entanto, a bolsa que ela carregava tinha algo estranho que de imediato atiçou minha curiosidade. Parecia haver uma bola de futebol ali dentro. Quando a mulher passou bem ao meu lado, fitei a bolsa para enxergar melhor o interior. Estava entreaberta, de modo que deu para ver parte do conteúdo. Senti gelar a espinha quando constatei não ser uma bola de futebol o que ela carregava, mas algo parecido com uma cabeça humana. Dava pra ver um tufo de cabelos, de fios castanhos e lisos, saindo da fresta no canto da bolsa. Aquilo não era pelo de cão, nem peruca. Era uma mecha de cabelo numa cabeça humana. Embora não parecesse apressada, a mulher passou rápido por mim, mas foi possível ver ainda um olho bem aberto e parte da testa atrás daquele tufo de cabelo. Cheguei a parar do outro lado da rua e me virar para acompanhar o itinerário da mulher. Estava curioso, queria muito saber quem ela era, para onde ia, porque carregava uma cabeça humana dentro da bolsa e a quem pertencera aquela cabeça antes de ir parar ali. A mulher seguiu caminho no mesmo passo, despreocupada, até virar a esquina e sumir. De súbito, senti o estômago embrulhar. Era fome, pois passava das dez e meia da manhã e eu estava de jejum. Saí em busca de uma lanchonete sem conseguir pensar em outra coisa senão em matar logo a fome. Comi um sanduíche de queijo com salame e tomei uma jarra de suco de laranja. Satisfeito, lembrei que havia muita coisa a ser feita até o anoitecer. Peguei então o smartphone e comecei a digitar as primeiras mensagens do dia. Aquele seria um longo e cansativo dia, com toda certeza.