136- Cento e trinta e Seis
Para ele a mentira foi sempre um escudo, uma chave, um livre trânsito para o interdito. Havia quem achasse que era médico, engenheiro, artista, escritor. Ele nunca disse que era, apenas sugeria. O resto compunha, teatro inocente de um cínico. Resolvia, pedia, faria e muitos aguardavam pelo cumprimento da promessa. Enquanto esperavam tinham por certo o que não havia, enquanto acreditavam construíam em areia castelos. – Traga-me limão, picante. Levantava-se e ia buscar e, para não incomodar, entrava onde não devia, explicava detalhes do que não sabia. Exigia ser o centro e para isso dizia, gesticulava, aparecia. Era intimo de quem não conhecia. Quando vinha sem se anunciar, quando chegava sem dever chegar, trazia consigo o barulho, a festa, a desordem. Vinha para ficar, ia depois de deixar algo que o fizesse voltar.