Janela
Finalmente ele estava a caminho de casa, de gravata frouxa e pés doloridos. Apenas caminhava, não possuía forças para atribuir atenção a qualquer outra coisa. “Um pé depois do outro”, era tudo o que ele pensava. Carregava sua maleta com descuido e não reclamaria, se ela, por acaso ou por causa de algum movimento brusco, abrisse e perdesse todo o trabalho, ao melhor, todos os papéis que trazia dentro de si.
Ele simplesmente não se importava, na realidade, não se importava nem um pouco. Não gostava do seu trabalho e nem mesmo acreditava que todas aquelas amizades eram verdadeiras. A comida que sempre almoçava não era a sua preferida e o suco, que sempre bebia, nunca estava adoçado ao seu gosto. Todo aquele cerimonial diário parecia-lhe apenas um prelúdio sem graça para a vida de verdade. E esta, também era diária, no entanto um pouco mais curta. Surgia no final de cada noite, depois da caminhada cabisbaixa pela calçada, rumo ao prédio onde ele morava.
Já estava quase se arrastando, quando avistou a espremida fachada do prédio e ela lhe trouxe um pouco mais de ânimo. Empurrou seus pés pelo hall, alargou um meio-sorriso para o porteiro e meteu-se no elevador. Olhou para os botões dos andares e com o dedo trêmulo mirou o 79º, apertá-lo sempre lhe trazia uma satisfação insubstituível. Esperou e, enquanto subia, sua ansiedade crescia e substituía, aos poucos, o cansaço.
Ajeitou o cabelo, arrumou a gravata e o casaco, estava chegando o momento de viver de verdade. Saltou do elevador e correu para o seu apartamento. “Não reparem a confusão”. Jogou a maleta sobre a única poltrona diante da televisão e foi até a janela, grande, larga e invasora. Abriu-a com um sorriso extasiado no rosto, como se deliciasse cada instante. O vento fresco de estrelas recém acesas fez-se perceber. Os olhos descompuseram o sorriso e saltaram de encontro às milhares de luzes amareladas, vermelhas e azuis que brilhavam lá embaixo. Mas, não eram elas os seus objetivos. Entre as luzes, sem que soubessem que estavam sendo observados, havia pessoas, as outras pessoas.
Ele arrastou um tripé e pôs um dos olhos em seu telescópio, provavelmente, seu único amigo verdadeiro. Não havia nada melhor, nada era mais importante do que observar, assistir, bisbilhotar. Isso era viver de verdade.