Capital de risco
A convocação de uma reunião extraordinária do conselho de acionistas pegou a todos de surpresa. Esse era o tipo de evento que usualmente só ocorria quando as coisas iam mal, e tudo estava indo de vento em popa no conglomerado. Haviam estendido sua presença para mais 43 países da Ásia, África e América Latina, manobrando de tal forma governos e mídia locais que eram retratados de forma majoritariamente positiva, mesmo quando suas ações destruíam o meio ambiente, deslocavam populações nativas de suas terras originárias ou eliminavam salvaguardas e proteções trabalhistas. A projeção de lucros para o balanço anual aumentou de forma estratosférica, e todos já previam que os dividendos seriam igualmente gordos. Então, qual era o problema? O acionista majoritário, presidente do conselho, fizera absoluta questão de reunir a todos numa casa de praia, numa ilha no meio do Pacífico, longe de olhares e ouvidos indiscretos. Tinha uma importante comunicação a fazer.
- Onde está ele? - Indagou o líder dos acionistas minoritários ao ser conduzido para a sala de reuniões.
- Teve um imprevisto de última hora, - informou a secretária que organizara o encontro - mas entrará ao vivo por videoconferência.
- Nós temos que voar metade do mundo para chegar aqui, e ele não sai de Nova Iorque - resmungou o homem.
Na ampla sala de reuniões, ao redor de uma imponente mesa retangular, alinhavam-se os principais acionistas da empresa. À cabeceira, sobre o lugar do presidente, um telão. Quando todos acomodaram-se e a secretária deixou o recinto, a tela iluminou-se, revelando o rosto taciturno do acionista majoritário.
- Grato a todos por terem atendido o meu chamado - cumprimentou-os. - Infelizmente, as análises de risco informam que nosso modelo de crescimento, embora prodigioso, não é sustentável a longo prazo.
- A longo prazo, todos estaremos mortos - aparteou enfadado o líder dos minoritários, encarando o telão. - O que importa é o lucro aqui e agora.
- Ledo engano - atalhou o presidente. - O que importa, mais do que tudo, é a sobrevivência do conglomerado. Ele deverá continuar a crescer pelos anos e décadas à frente, mesmo depois que não estivermos mais aqui para testemunhar isso.
- E como espera fazer isso? Respeito ao ecologismo, preocupação com os desejos dos clientes? - Inquiriu com ironia o líder dos minoritários.
- Seria um bom recomeço - avaliou o presidente. - Vocês esqueceram, mas foram exatamente estes valores que fizeram de nós o que somos hoje… e que agora foram trocados por lucro rápido e a qualquer preço. Chegou a hora de voltar ao caminho original.
Os demais acionistas entreolharam-se confusos. Afinal, lucrar mais sempre fora o principal objetivo do conglomerado. Como isso podia ser ruim? Do telão, o acionista majoritário os encarava com um ligeiro sorriso.
- Só mais um minuto e já os libero para tomarem suas piñas coladas à beira da piscina... - informou, antes que sua imagem se desvanecesse.
No dia seguinte, os principais jornais do mundo anunciaram que a empresa havia sido vítima de um atentado terrorista. Todo o conselho de acionistas fora exterminado.
Todos, menos o presidente que miraculosamente perdera o avião para a ilha onde o encontro estava sendo realizado.
- Vou interpretar isto como um sinal para mudar os rumos do conglomerado - declarou ele à imprensa, logo depois. - Não é mais possível continuar ignorando que temos prejudicado muita gente com nossas ações.
A declaração foi saudada como uma corajosa autocrítica proferida por alguém que era parte do problema, e que agora se apresentava como solução. Desnecessário dizer que as ações do conglomerado subiram na bolsa, quase que imediatamente.
-[25-11-2019]