Milhares de Coisas Terríveis
Primeira das coisas acontecidas...
Um pássaro posou suave na janela, na soleira da mesma um bolo de fubá esfriava, Daniela adorava cozinhar, posto nada combinativo com sua profissão de atriz e modelo. Esperava os amigos, eram eles Danilo, um empresário, Danilo, um chef de cozinha, e Danilo um motorista. Os aguardava para jogarem conversa fora e comerem o bolo. Antes que o passarinho ousasse bicá-lo ela o espantou, revoando para outros ares ao mesmo instante do soar da campainha. Entraram no luxuoso apartamento da amiga, mas aflitos, despreparados: “Danilo (o chef de cozinha) sofreu um terrível acidente, está morto”.
Segunda das coisas que cumprem o rito...
No velório nem dava pra acreditar que tudo aquilo era verdade, mas era assim para morrermos bastava estar vivo, muitas lágrimas umedeciam o chão, muita gente pra confirmar se era verdade, muita falta, saudade. Porque embora inacreditável viviam em função do amigo, os outros três tinham como base, pai, o chef de cozinha Danilo... Ele era um Deus aos olhos do trio perdido, um Deus morto. Perto deles chegou um desconhecido, oferecendo pêsames, puxando conversa, encantando e confortando de olhares cativos, Daniela sentiu o coração mais aquecido, sentiu apaixonar-se pelo estranho, ele uniu-se aos três, perdiam um Deus, mas ganhavam um anjo.
Terceira das coisas que começava a mudar os fatos...
Aos poucos retomaram, seus caminhos, tendo mais uma amigo, não exatamente substituindo Danilo chef, mas estando em seu lugar, era ele também Danilo, e agia como um deles, como se há tempos já os conhecesse, como se há tempos já os tocara na alma. Daniela e ele realmente se envolveram, não ouve ciúmes, mas apenas uma mor mútuo, muito forte e verdadeiro, sem ciúmes ou preconceitos. O quarteto morava agora com a mãe de Danilo chef que ficara sozinha, todos em sua aconchegante casa secular habitavam para melhor aceitação da morte. Porém um mistério sempre rondava as mentes, passado quase um ano e não sabiam quem era o novo Danilo, nada tinham grafado de suas origens, de seus princípios, era como se fosse presente e somente. E sua conselheira, mãe, acatava o fato dele não ter satisfação alguma para com os demais, tratava como normal o fato. Aceitava, mas algo de estranho estava em todos, não eram mais os mesmos, e nunca mais seriam.
Quarta das coisas que deixa tudo por verdades...
Todos solteiros, bem vividos, continuava somente o desconfiado romance de Danilo novo, e Daniela, mãe sem expressões, o amor do casal ia diminuindo, acabando, em compensação o dos três amigos apenas crescia. Geralmente o amor de quem mora junto fica chato, mas o deles era diferente, apenas não tinham o mesmo sangue, mas se sentiam e realmente era unida família. Foi que num dia comum, impróprio a tragédias veio a noticia de que Danilo motorista havia falecido em um acidente, trabalhando. Mais tragédia, mais velório, hábitos descompassados.
Quinta das coisas que mostrou que tudo era ilusão...
Ao voltarem do enterro, perdidos, alienados, a casa estava em chamas, mesmo assim Daniela entrou e não conseguiu sair, ficou presa entre madeiras em brasa, urrando de dor, enquanto isso Danilo empresário viu o novo Danilo dando a partido num automóvel com a mãe, também perdida, dopada, domada. Entre ambos os casos, enquanto os bombeiros demoravam eternidade Danilo empresário entrou e salvou Daniela já quase sem vida, toda ferida, marcada gravemente de fogo no rosto, o lindo rosto completo de cicatrizes agora, era outra, horrenda e irreparável, ele estava cego, eles estavam sozinhos. Danilo novo e mãe nunca mais voltaram, confiaram demais nas pessoas, era tudo um golpe do bandido de velórios, golpe certeiro. Danilo e Daniela cuidaram-se um do outro até a morte num lugar pobre que não era digno de gente, ela queimada, ela na verdade se fingindo de cego, pois amava tanto a amiga que preferia fingir não ver, do faze-la ter a certeza de que alguém tão próximo e amado a estava vendo daquela forma horrível, os outros não importavam, mas ele era muito importante, por isso preferia fingir e limpar a alheia mente. Era assim mesmo, uma construção feita de gestos... Num gesto acataram o inimigo, num gesto lhe deram toda uma vida.