A barriquinha escolar
Nos albores do século vinte, em que Pitangui se preparava para receber luz elétrica, a ferrovia, e haveria ainda de penar com o fogaréu de sua requintada igreja matriz - que alguns historiadores sustentam, continha obras do pai do Aleijadinho - a vida dos habitantes do burgo era bem singela e, porque não dizer, prenhe de provações e privações.
Na escola pública por exemplo, na falta de banheiros, ou até mesmo de uma simples fossa, a meninada da época, para atender o imperativo chamado da também buliçosa natureza intestinal, era obrigada a recorrer a uma barriquinha de madeira que, dotada de uma tampa perfurada, servia a essas necessidades.
Findo o expediente escolar, um zeloso funcionário do educandário, botava a barriquinha às costas e se precipitava morraria abaixo para despejar a compostagem diária no riacho Baiacu, que corta ao meio a cidade, e após higienizar aquele continente, levá-lo de volta para a coleta de um novo dia.
Esse fato, de que eu jamais tivera notícia, foi-me narrado pelo cidadão
José Rodrigues Santiago de Faria, nascido em 1931, residente nato do Beco dos Canudos, barbeiro de profissão, aposentado há umas boas décadas, de memória privilegiada, tratado popularmente como Vovozim, ou Zé do Zé Vovô.
Vovozim, ao arrematar sua história, entre uma e outra piscadela, confidencia-me que ela lhe fora contada por sua mãe, Dona Lóia - de quem herdou seus olhos irremediavelmente azuis - e que, na ocasião da revelação, sua vontade mais imediata - não concretizada - foi perguntar à mãe se as professoras também recorriam à barriquinha para aliviar a barriguinha...
Com uma pitada de ironia, José tenta, e consegue, dissipar minhas dúvidas, concluindo:
- Ah, vai ver que as professoras iam mesmo era em casas vizinhas da escola em caso de necessidades mais extremas, quando o risco de alguma estridência maior pudesse lhes ferir a reputação...