O "MARRETEIRO"
O "MARRETEIRO"À margem da estrada, num velho prédio mal cuidado que pretendia parecer Estação Rodoviária, o casal e seu filhinho de 7 ou 8 anos aguardavam a chegada do ônibus -- vindo de distante garagem -- para levá-los a Belém, à capital, sede da festa do Círio de Nazaré. Do interiorzão onde estavam, "interland" segundo as Rádis de época (eram os anos 80) levava-se de 5 a 6 horas modorrentas para aportar no Ver-o-Peso, vindo de barco ou, no caso deles, quase 10 longas horas por penosas estradas lamacentas, onde o suposto asfalto desaparecera faz muito tempo. Maletas, saco com redes, outro menor para farinha e "comidinhas" a serem consumidas na viagem, além do tradicional isopor com todo tipo de líquido. Pai e mãe saíram por um instante para lanchar num boteco próximo, deixando a "Diquinho" a incumbência de zelar por tudo ali, principalmente a casinhola de madeira e meriti, cuidadosamente construída pelo pai Raimundo, "seu Dico", durante vários domingos. Era a promessa que fizera à Virgem de Nazaré por conseguir casa popular para a família, sonho antigo do avô de "Diquinho", a admirá-la nas mãos, orgulhoso do talento do genitor.Eis que chega um espertalhão pronto para ganhar alguns trocados revendendo a bela peça, verdadeira obra de arte.-- "Bela casinha, hein, moleque... quanto quer por ela" ?!-- "Não é pra vender, é do meu pai, vai pagar promessa" !-- "Dou vinte "contos", êle faz outra rapidinho" !-- "Não paga nem a pintura, moço, demorou 3 semanas para fazer... e não 'tô vendendo" !-- "Tá certo, dou 40 reais agora, meu carro está saindo" ! (*1)O menino balançou, seu pai sempre dissera que êle era um grande vendedor e ali estava a chance de provar. O comprador percebeu a hesitação e deu a "tacada" final:-- "Cinquenta "paus" e não se fala mais nisso... é dinheiro "pra dedéu", seu pai vai ficar feliz" !Era muita grana, a féria de quase 1 mês vendendo macaxeira, cupuaçu e umas piabas, peixe miúdo. Volta o pai e dá por falta da casa, uma angústia esquisita a apertar sua garganta. Com medo da resposta, sonda o garoto:-- "Vendi, papai, 50 "contos", cinqueeenta, olha só"!, e exibe a nota colorida, orgulhoso, seu pai afirmava sempre que êle tinha tino pros negócios, era um bom "marreteiro". O pai só faltou arrancar os cabelos de desespero, o "ex-voto" era pra pagar promessa por ter conseguido a casa "por milagre", por conta de moradores que teve que mudar às pressas para o Maranhão e indicara seu nome. Aborrecido, decidiu não mais viajar, vendeu sua passagem e voltou pra casa preocupado, "quebrar promessa" era sinal de desgraça. Mãe e filho foram sozinhos a Belém e ficaram na casa de uma tia deste, muito desconfortáveis com a situação. Na terça-feira seguinte bate na porta funcionária da "estatal de (des)habitação", acompanhada de carro de polícia.-- "Seu" Raimundo, o senhor atrasou 3 meses, pegue suas tralhas e libere a casa" !-- Ah, senhora, o Correio não me entregou as contas e vocês só funcionam pela manhã, não pude largar tudo pra resolver isso ! Mas o dinheiro 'tá aqui, olhem" !-- "Agora é tarde... guardas, joguem tudo na rua" !, sentenciou a doutora insensível da estatal indigna. Para "maquiar" a injustiça lhe pagaram "uma miséria" pelas benfeitorias e ampliação do casebre original de 4 x 7 metros, verdadeira "gaiola". "Seu Dico" adquiriu modesto sítio com a "indenização" e a casa foi posta À VENDA pela nova mutuária, coisa proibida. "Diquinho" "marreta" como poucos na feira, vendendo passarinhos, outra coisa proibida. Já "seu Dico" não quiz saber mais de promessas ! Reconhecido por quase todos como "O Rei do Curió" o filho ganhava num mês o que seu pai precisava de 10 para faturar, vendendo avezinhas a 50, 80, 200 ou mesmo 500 reais de hoje, na época cruzados novos, ou cruzeiros, ou cruzeiros novos, etc.-- "Ah, o amigo quer um curió ?! A quanto ?! Nesse preço só cego, mudo e manco" !-- "Minha sabiá ensinou o bispo a assobiar e esse canário já se apresentou no "RAUL GIL" !-- "Quer passarinho barato ?! Vá no IBAMA... faltando asa, perna, odo "pelado" !-- "Olha o coleirinho-professor, quando canta os outros se calam, pra aprender... só cinquenta reais" !-- "Vendido pro cavalheiro aqui ! Eh, parceiro, falta pagar a gaiola ! Ah, vai levar na mão" ?!, e ameaça enrolar o passarinho num pedaço de jornal. O cliente paga contrariado mais essa "despesa" !
"NATO" AZEVEDO (em 11/out. 2019, 10 hs)
OBS: o REAL só seria criado por volta de 1992, salvo engano !