"GATO ESCALDADO"

"GATO ESCALDADO"

"Atirei o pau no gato-to, /

mas o gato-to não morreu... /

dona Chica-ca 'dmirou-se /

do berro que o gato deu !

(velha canção infantil)

Mal passara de 6 da manhã e na pacata vila de casas bem cuidadas se instalara a confusão... o berro de um gato fôra ouvido pela rua inteira e além. Os moradores, a maioria descendente de portugueses, saiu das casas para inteirar-se do acontecido. Clóvisvaldo, rei da antipatia, detestado por quase todos os vizinhos, dera uma tamancada num bichano, jogara com a força ditada pelo ódio petardo mortal no felídeo, que rolou telhado abaixo e "estabacou-se" no chão duro, de cimento cru. Perdeu uma das "7 vidas" mas ressuscitou para contar a história. Porém não era bem um gato... (hein ? era gay, GLBT-SHV ?!) nada disso, era a gata persa da dona "Chica", que admirou-se porque a gata não morreu.

Metida à madame, a viúva Francisca se achava a "rainha" da rua, digo, da vila, se metia em tudo e palpitava até onde não era chamada. Dedo em riste, apontou o mau-caráter, este sem imaginar o rumo da confusão:

-- "Animal, o que você fez com a minha "Fifi" ?!, já informada aos cochichos por uma vizinha que o carroceiro dera uma "paulada" na "filha" idolatrada da matrona.

-- "Essa peste passou a noite miando no meu telhado" !

-- "E o que você queria ?! Que ela dissesse poesias" ?!

-- "Essa vagabunda..., nem terminou a frase, levou um tapa de desfalecer um elefante.

-- "Me respeite, alfacinha, vagabunda é tua mãe" !

-- "Falei da gata, dona "Chica"... fiquei sem dormir" !

-- "Só por isso tinha que matar a pobrezinha" ?!

O "portuga" dera sorte, a gata acordara do desmaio e roçava as pernas da "gordota", projeto de hipopótamo com uns 120 quilos bem distribuídos.

-- 'Mas, é só uma gata, dona "Chica", pelamordedeus" !!!

-- "Só uma gata... puxador de carroça, "burro sem rabo" ?! Ela é filha de Lily de Lamermoor, neta de Lady Kathy Queen of Cats, "asno de penas" ! Vale umas 50 da sua carroça" !

-- "Ora, vá pro inferno, é só um bichano, cáspite" !

-- "Vou pra Polícia agora (não ía, estava blefando), tem lei pra proteger animais, "galego de uma figa" (não tinha, blefava de novo, eram os anos 60) e você vai mofar no "xilindró", vestir saia e lavar roupa dos presos" !

O homenzarrão rude "afinou", tinha umas "diferenças" dos tempos de jovem para "acertar com dona Justa" e isso poderia aparecer lá na Delegacia.

-- "Scute cá, dona "Chica", bamos conversáire, pois, pois" !

-- "Pra minha casa agora, estrupício, lá a gente se acerta, tem uns serviços que precisam ser feitos" !

O povo debandou sorrindo, dona Francisca dera a "cartada final" e o bruto ainda ía trabalhar de graça. Clóvisvaldo amassava nas mãos calosas o chapéu de feltro do falecido pai tentando imaginar o tamanho da "bronca" em que se metera. Da cozinha veio o cheiro de chá de erva cidreira, pastéis de Belém e rosquinhas de polvilho. Do cortinado de renda que separava os cômodos surgiu uma "anta de babydoll" e olhos melosos, com bandeja de quitutes, pão de mel e bule de porcelana. Dona "Chica" falou em tom que não admitia réplica:

-- "Ouça bem, patrício... coma e vá pro quarto, estarei te aguardando ! E toda vez que eu disser que "Fifi quer leite" o senhor já sabe o que fazer ! É isso ou ter uma queixa lá no Distrito, onde vais terminar preso" !

Clóvisvaldo "engoliu em seco", aquilo ía acabar em casamento... seu pavor da "Fifi" hoje só não é maior que o ódio mortal que tem de todos os gatos !

"NATO" AZEVEDO (em 28/set. 2019, 16hs)