O Bispo e o Fazendeiro – I
Padre Juca adoecera. Religioso liberal muito querido na paróquia próxima ao santuário localizado na cidade de Bom Jesus da Lapa, pequena localidade do interior da Bahia. Devido à escassez de padres naquela diocese, o próprio bispo Romualdo, conhecido por sua austeridade, estava atendendo aos fiéis no confessionário, naquele final de semana. Apesar da grande quantidade de romeiros frequentando a pequena cidade, tanto o padre quanto o bispo conheciam cada fiel da localidade e praticamente seus pecados.
- Em uma das ocasiões em que estive com o padre Juca, ele falou-me a seu respeito. Dado a sua penitencia, achei que não cometeria mais esse tipo de erro, senhor Telmo. – Censurou o bispo.
- Eu procuro me manter fiel ao que prometo ao padre, mas é muito difícil. – Desculpou-se o fazendeiro.
- E o que o senhor pretende fazer desta vez para amenizar sua falta.
- Vou doar cem mil para a Igreja. Com essa quantia o senhor bispo pode também me perdoar?
A oferta de Telmo foi tão alta, nos dois sentidos, que ressoou por toda igreja.
- Jamais. – Esbravejou o bispo no mesmo tom. – A igreja e nem eu aceitamos esse tipo de barganha.
- É pouco? Posso oferecer bem mais! – Telmo continuou no tom alto.
O bispo mostrou-se indignado. Silêncio total na igreja. Telmo não teve resposta.
Diante daquele silêncio inquietante, Telmo insistiu falando, desta vez baixinho, para que só o bispo o escutasse.
- Já entendi. Sendo o senhor um Bispo o preço é mais alto. Diga, quanto?
- De onde tirou essa ideia de que pagando será perdoado? – Perguntou o religioso, no tom de voz alto para que todos o escutassem.
- Ora, não tem um ano que doei ao padre Juca uma quantia igual a essa e ele me concedeu o perdão. – Telmo continuava falando baixinho, só para o religioso escutar.
- Um homem não é perdoado pelo que paga, mas sim pelo seu real arrependimento. – O bispo entendeu e também sussurrou.
- Já que o bispo não perdoa, vou esperar e falar diretamente com padre Juca quando ele retornar. – Insistiu falando baixo.
- Mas ele também não irá perdoá-lo.
- Então o padre Juca, lamentavelmente terá que devolver todo o dinheiro que doei das outras vezes. – Telmo perdeu o controle e voltou a falar alto.
- Fale baixo, pecador. Quantas vezes o senhor já fez essas doações? – Quis saber o bispo visivelmente interessado.
- Vinte ao todo.
- Virgem Maria Santíssima! – Espantou-se o bispo.
- O senhor bispo precisa entender... Tenho muitos interesses e vira e meche acabo pecando.
- Não se trata só de entender, o senhor tem pecado de mais, meu filho. – Repreendeu.
- Mas sempre me arrependo e venho confessar.
- Preciso consultar o Altíssimo para saber qual decisão devo tomar para com o senhor.
- E essa sua consulta vai demorar muito? O padre Juca costuma ter a resposta imediata.
- Não demora nada.
Novamente o silêncio se fez por toda a igreja, dando margem dessa forma aos comentários maliciosos de alguns dos fiéis que estavam presentes.
- O que você acha Quinzinho? O bispo vai aceitar toda essa dinheirada e perdoar o seu Telmo ou não?
- Sei não. O bispo sempre se mostrou uma pessoa íntegra, mas agora está me parecendo meio em dúvida.
- Cem mil é muito dinheiro gente. Para mim ele vai aceitar. – Garantiu Armandino, outro fiel que escutava a conversa dos dois.
O bispo continuava pensando com seus botões: “A igreja já está mesmo endividada na pessoa deste padre esperto. Não vejo razão para não perdoá-lo também e tirar algum proveito disso tudo”. Logo o bispo voltou a sussurrar.
- Acabei de consultar o Altíssimo, senhor Telmo.
- É mesmo? E o que ele disse?
Agora em tom grave puxando para o solene o bispo continuou falando, mas desta vez alto para que todos pudessem ouvi-lo.
- Como o senhor é um grande fazendeiro; emprega varias pessoas; seu gado e sua plantação são fontes de alimento para o lugar, e sendo um fiel assíduo a igreja, não posso deixar de perdoá-lo.
- Ah! Demos graças ao Senhor. – Agradeceu o fazendeiro também alto para que todos o escutassem.
- Porém terá que ser pelo dobro do prometido aceita? – Dessa vez o bispo quase foi inaudível.
- Eu pensei que tínhamos nos entendido quanto ao valor? Não está um pouco exagerado essa quantia? – Indagou também sussurrando.
- De forma alguma! É pegar ou largar, só assim tenho a certeza que o senhor pensará melhor nas próximas vezes em que for pecar. – Agora o bispo planejava. “Se ele aceitar fico com a metade e dou o restante para a igreja”.
- Duzentos mil? Mas isso é pior que ser assaltado. Não dou e desisto de ser perdoado. – Gritou o fazendeiro.