A curiosidade pode matar

No vilarejo Barra Perdida, a vizinhança do bairro Sintonia, já não aguentava mais tanta correria e barulheira naquela casa. Não havia um só final de semana que aqueles moradores deixassem passar em branco. Já na sexta feira começavam a ser entregues as carnes e as bebidas para o churrasco do dia seguinte, e o alvoroço era total no local, principalmente na hora em que as garrafas de cervejas vazias eram devolvidas. Nesse exato momento a vizinhança tinha uma amostra de como seria o final. Era batata. Todo mundo já ficava sabendo: o pagode começava no sábado, e se estenderia até as tantas. E como de costume, continuava até à tarde do Domingo e no final da reunião, novamente aquela confusão e a gritaria arretada. Mais um final de semana se aproximava e a expectativa como sempre era geral. Na residência vizinha a esse evento um casal comentava apreensivo.
- Rodolfo, nós teremos sossego neste Domingo ou será como nos outros finais de semana? – Margarida perguntava a seu marido que descansava tranquilamente no canto da varanda.
- Da minha parte estou torcendo para que tenhamos paz. Mas isso, só Deus sabe, minha filha. Só Deus sabe!
- Eu respeito e concordo que todos devem se distrair, mas toda semana! Isso não pode continuar eternamente, alguém tem que achar uma solução e dar fim a esse martírio. Há continuar desse jeito acabaremos neuróticos.
- Ouvi dizer que os vizinhos estão se reunindo e pesquisando uma forma para solucionar o problema. Pelo ardor com que me falaram, parece até que estão dispostos a contratar alguém especializado. Pensam até chegar ao extremo, ao extermínio se for o caso.
- Será que eles vão ter coragem para chegar a tanto? – Margarida mostrou-se preocupada.
- Nos dias de hoje, com a violência dominando, não duvido de nada. Tudo é possível, mas o melhor é irmos dormir que amanhã é um novo dia. Precisamos estar descansados para aguentar o repuxo.
Não demorou muito e naquela mesma noite vários convidados começaram a chegar. Trazendo junto o barulho costumeiro daqueles dias festivos.
- Mas o que é isso Rodolfo? Hoje não é sexta feira? – Perguntou meio na dúvida Margarida.
- Pelo jeito o pagode vai começar mais cedo. Provavelmente será dobrada a confusão.
Lá pelas tantas – de madrugada – o pagode ainda comia solto no quintal. O barulho de algumas garrafas quando quebravam era infernal. Em vários pontos podia ser visto cerveja derramada; a impressão que dava é que de tão bêbedos já não acertavam a boca. No meio da cantoria, de vez em quando, podia-se ouvir uma ou outra mulher gritando:
- Mata! É muito abuso. Mata logo!
Curiosos Rodolfo e Margarida mantinham-se escondidos para não serem vistos, mas mesmo assustados conversavam no quintal ao lado de toda aquela confusão.
- O que será que está acontecendo dessa vez? – Perguntava Margarida. – Essas mulheres estão incentivando que matem. Mas por que essa violência?
- Fica calma que daqui a pouco eles terminam. Quando tudo acalmar irei até lá para ver o que aconteceu.
- Nada disso. Não vou deixar você ir lá. Pode ser perigoso. O muro é muito alto e pelo jeito estão armados. – Proibiu Margarida.
Como previra Rodolfo, logo acabou o pagode e tudo serenou.
- Vou lá agora. – Disse Rodolfo baixinho procurando não ser ouvido.
- Não, não vá! Estou lhe pedindo. É perigoso!
Mas Rodolfo não atendeu aos pedidos da mulher. Subiu no muro deu uma rápida olhada e pulou para o outro lado. Os minutos pareciam se arrastar vagarosamente. Passados alguns instantes, para desespero de Margarida, ela ouviu novamente uma mulher gritando.
- Olha lá!
- Onde? – Dessa vez a voz era masculina.
- Atrás da mesa tentando se esconder, não deixa fugir! Mata logo!
- Calma que eu vou matar.
- Rápido, está querendo fugir pelo muro. Não deixa, não deixa fugir. Mata! Mata logo, homem!
Rodolfo rapidamente pulou de volta para casa, sem antes dar mais uma olhada por cima do muro e apavorado gritava procurando sua mulher. Estava realmente esbaforido.
- Margarida! Margarida!
- Que foi que aconteceu homem? Nossa! Você esta fedendo a cerveja pura. Não tem vergonha. Invade a casa dos vizinhos e ainda bebe a cerveja deles?
- Não é nada disso Margarida. Assim que pulei quase me afoguei com tanta cerveja espalhada pelo chão. Mais à frente, dei de cara com o cadáver da Esmeralda estendido. Você não faz ideia do que vi. Foi terrível.
- Eu lhe disse para não ir lá. – Lembrou Margarida. – Mas a sua teimosia é maior que a prudência.
- Quase sobrou para mim. Por pouco não fui apanhado – Rodolfo ainda estava pálido ao lembrar.
- Então o melhor é sairmos logo daqui do quintal. Não estou me sentindo nada segura. – Sugeriu a Margarida.
O casal já mais calmo e em plena fuga, ainda pode ouvir a dona da casa do outro lado gritar.
- Zezinho! Tire essas baratas mortas daqui. Estão me dando nojo.



Editora AG - Classificação do XXVII Concurso Internacional Literário - Março 2009
A curiosidade pode matar - 7º lugar

Convidado a participar do novo lançamento de suas coletâneas com o conto: - A curiosidade pode matar
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 18/09/2019
Código do texto: T6748075
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