O resgate do copão

Dos tempos do Brumado, que duraram até junho de 1958, era simplesmente de copão que o chamávamos. De dois litros, e grande utlidade na cozinha, sobretudo para a preparação do café, ou em momentos mais amenos, como recipiendário de um ponche de limão, naquela era pre-Q-suco, que papai se comprazia em fazer e nos introduzir à saudável beberagem.

O que não consigo agora vislumbrar é se era originário duma lata de gordura da marca Carioca ou Coqueiro. Ou ainda de outra marca que me foge à memória, embora a coloração esverdeada siga bem viva, ainda que esmaecida pelo trauma por que passou, e que relato a seguir. A certeza que tenho é que não era da marca Dunorte, que era apenas adventícia e de embalagem predominantemente azulada. A asa no copão, também de lata podia bem ser obra de folheiro de Pitangui que, quem sabe não poderia ser o senhor Vicente Chaves, cuja surdez quase completa era uma bênção diante dos ralhos e raios de sua conja, Dona Ana da Dinha.

Mas vamos ao esmaecimento do copão: primeiro de tudo, ele desapareceu sem deixar pista. Sua falta foi sentida, mas a substituição não tardou, na forma de um caldeirãozinho esmaltado, que mais servia à fervedura do leite - que naquela época dava até nata - e também de um copo de alumínio.

Havia uma leve suspeita de que o copão de folha poderia ter caído na cisterna por alguma inadvertência, mas não se ousava ou se usava apontar dedo para fulano, sicrano ou beltrano.

Nossa cisterna furada em 1961 ou 1962, me recordo bem, menos da exata data porém, foi um feito extraordinário. A água fornecida pela Prefeitura era insuficiente e não raro, se interrompia por razões várias.

Do esforço para furar a cisterna, participaram o cisterneiro Geraldo Walder, o alemãozinho, e dois ajudantes seus, sucessivos: o João e um outro a quem chamávamos de Dorotovo. Russo? Era o que parecia emanar de seu discurso quase monossilábico. E eram tempos perigosos: havia precaução quanto aos vermelhos até em orações da igreja, ...pela conversão da Rússia...", e mais: o Sputnik é que era a sensação mais visível nos céus, assegurando boa dianteira na corrida espacial aos incréus. Um pirigo. E tanto mamãe e eu, recordando agora, fomos testemunhas oculares de um objeto metálico, redondo e cheio de antenas que riscou os céus de Pitangui. E adicione-se aqui, como partícipes da furada da cisterna, mana Bebel, mano Beu e eu, encarregados de remover um mundo de terra para terraplenar o Buracão, que era uma enorme depressão em lote adjunto, dando, espontaneamente uma valiosa colaboração à Prefeitura Municipal que daria poucos anos depois uma continuidade ao nosso Beco-sem-Saída, elevando-o à categoria de rua, ou, mais apropriadamente, de Beco com Saída...

Voltemos ao copão: 15 de novembro de 1964 marcou o seu resgate, justamente do fundo da cisterna que o eficiente alemãozinho voltara para fazer a limpeza. Uma ou outra coisica foi também resgatada naquela solene e marcante ocasião. Mas sem a signficância do copão. E por essa época até, já sabíamos que o aumentativo de copo é copázio, graças aos ensinamento do ginásio, onde pontificavam na língua portuguesa os professores Newton Souza Braga, Dr Tasso Lacerda Machado e Liliza dos Santos, para citar só uma trindade.

E o copão, que foi feito dele desde então...? Com o livramento, certo estou que apesar de ter uma asa só, voou, voou, voou...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 05/08/2019
Reeditado em 05/08/2019
Código do texto: T6713103
Classificação de conteúdo: seguro