MICROCONTO - As Rugas de Gal

Não sei dizer quando foi que começou em mim esse alvissareiro sentimento de viver a juventude da velhice.

— Mas Gal, você é muito jovem ainda! Tem apenas trinta anos. — dizem minhas amigas sempre que falamos sobre a passagem do tempo para as mulheres. Todas elas têm verdadeiro pavor de encontrar aquela ruga.

De fato: olhei-me no espelho, e aos trinta anos, lamentei muito pela ausência de duas coisas que, com a mesma idade que tenho agora, já existiam em minha mãe: cabelos brancos e rugas.

Mirei firme no espelho do meu quarto e constatei desapontada: não há sinal de rugas. E a estupefação se acentuou quando quase contei os fios da minha cabeça e não havia nenhum cabelo branco.

E então, sete verões se passaram em minha vida.

E aqui estou com minha libido em ebulição e meu colo rígido, apontando firme para frente, para o alto. Minha silhueta agora é de uma mulher de trinta e sete anos. O mesmo espelho está lá, de frente para a minha cama, iluminado pela luz que entra pela janela sempre aberta, a qual me mostra todas as manhãs a relva no jardim que guarda os despojos de minha infância.

O reflexo no espelho está diferente dessa vez: vejo ao redor dos meus olhos duas rugas. Uma de cada lado. Vibro viçosa.

Fios longos brilham em meus ondulados cabelos: não são luzes que eu dei, são cabelos brancos que ganhei. Estou plena, pois, chegou para mim, a juventude da velhice.

— Tenho já muitas histórias para contar. Escolho duas delas para dizer-lhes, sem muitos pormenores, ok? — disse eu, recém-chegada de Buenos Aires, no chá com minhas amigas naquele entardecer do sábado.

Aquela ruga que nasce no cantinho lateral do meu olho esquerdo atende pelo nome de Ademar, meu vigésimo primeiro namorado na vida. O danado me levava às loucuras da noite pernambucana. Me fez feliz e plena aquele moreno alto de olhos verdes um tanto oblíquos. Os arroubos daquele macho loquaz me deixavam tonta às vezes. Não me deixava dormir antes das quatro horas da manhã. Logo eu, até então, pronta para descansar às vinte e uma horas — fruto de recomendações de mamãe.

Numa manhã qualquer descobri que Ademar só me queria de noite porque durante o dia ele se ocupava daquela que chamava de legítima. Doeu! Então, eu era apenas um objeto para ele? Parece que sim! E eu achando que seu amor era tanto e que, por isso, me queria a noite inteira. Era sobra de seu tempo, apenas. Não era tempo de sobra, é diferente.

A segunda ruga que ganhei, agora no lado do olho direito atende pelo nome de Gal. Isso mesmo: euzinha. Após o infortúnio de amores belicosos, resoluta como nunca antes, decidi vasculhar a minha história e identificar quando e com quem me deixei ser usada como um pedaço de carne fresca estendida ao sol de Recife. Na maioria das vezes dei-me toda; recebi migalhas quase sempre.

Chorei pela minha total falsa presunção de inocência. Sou culpada sim, pois deixei que moldassem meu tempo, meus gostos, inclinassem-me na direção de rotas que não queria fazer meus trajetos. Nossa! Como vivi em autômatos! Assumi verdades em que não cria; menti quando verdade era. Fui horrípila, filauciosa e perdulária com meus sentimentos.

Quebrei-me, pois.

Entrei na caverna: refleti até reaprender a me respeitar.

Saí daquele lugar homízio com perdas, danos e ganhos.

E reiniciei a caminhada em busca de novos gozos, novos beijos e novos abraços. Mas havia uma senha para tal novíssima experimentação: eu, Gal, em primeiro lugar.

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Alexandre Félix
Enviado por Alexandre Félix em 05/08/2019
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