Lágrimas

As escadarias da velha igreja católica estavam empoeiradas.A arquitetura paleocristã desenhava-se com fortaleza.Ainda hoje as catedrais são destinos de peregrinação, recebendo os fiéis que viajam para celebrar festas religiosas importantes e para visitar o santuário do santo venerado.A antiga porta de madeira,de desenho bem peculiar,armada com fartos parafusos centenários, de dimensões fora do comum o impressionou. Ele entrou, e empurrou-a,com cuidado.Cumprimentou os presentes,sentados em toscas cadeiras de madeira.Uma cadeira lhe foi oferecida. Estavam num dos cômodos cedidos pela igreja para àquele evento. Após a abertura da reunião, num ritual particular,um dos presentes lhe indagou:

- A visita gostaria de se apresentar dizendo o seu nome...

Ela falou o nome e veio à sua memória o ocorrido,de anos atrás,que lhe trouxe até ali...

Era uma tarde ensolarada, de segunda-feira.O shopping tivera o seu cotidiano de paz,harmonia e de muitas vendas interrompido pelos berros escandalosos daquela criança birrenta.O menino esperneava,chorava alto,berrava e xingava a mãe- uma jovem senhora vestida com elegância e calçada nos saltos-,tinha os cabelos bem penteados.A muito custos tentava segurar o menino e a sua bolsa vermelha.

-Cale-se se não vou lhe deixar aqui sozinho,e vou-me,que traquinagem...

Tentava falar-lhe,sem muito sucesso.O menino berrava feito um louco.Chorava muito.As lágrimas eram fartas nos olhos e a escorrerem pelo rosto.As pessoas passavam olhando.Um segurança os observava,mas não ousava intervir.Parecia aguardar uma resolução materna-coisa,impossível de acontecer.O menino parecia tomado por uma força demoníaca.Um homem maduro,vestido com fina elegância,de paletó cinza,e de sapatos pretos parou,de forma resoluta próximo de ambos,e disse:

-O que se passa,com ele,parece possesso?

-Nada demais,é apenas mais um dos seus caprichos.Simplesmente quer,agora, que eu lhe compre um brinquedo-eu não posso.É muito caro...eu estou sem dinheiro.

-Mas,ele parece não lhe obedecer.Age,como se fosse o senhor da situação.

-Deixe que da educação do meu filho,cuido eu...

Disse-lhe a jovem mulher,com ares de aborrecida.As demais pessoas passavam ao lado.Olhavam,e só. Pareciam pouco interessadas naquele desfecho.Em um país,onde se morre mais de 70 000 pessoas assassinadas,por ano-e ninguém se assusta,ou se quer se dá conta-imagine,que iriam se importar com um menino que esperneia querendo a posse de um brinquedo caro.Mas, o jovem senhor demonstrava interesse,apesar do incômodo demonstrado pela jovem mulher.

Black Friday.Era a semana de promoção especial.As lojas ofereciam descontos,de até 70%.

-Mas, estamos na semana dos preços baixos.Tudo custando quase nada.

A senhora largou do menino.Este voltou correndo para a loja de brinquedos e de variedades voltadas para o público infantil.A mãe o acompanhou com o olhar.Alguns vendedores estavam,de braços cruzados observando,com deleite aquela cena dantesca.O menino passou correndo por eles.Foi apressado para junto do desejado brinquedo.As lágrimas escorriam pela sua face rubra.

- Parece não ter controle sobre ele...parece ser mais uma dessas mães que é controlada pelos filhos.Não sabem dizer não,então quando têm uma oportunidade para uma negativa, estão sem a devida autoridade,que já foi há muito perdida.

-Da educação do meu filho cuido eu.

Disse-lhe,com fúria nos olhos,e com voz embargada.Quem é o senhor para querer me dizer essas coisas?

-Qual é o brinquedo desejado por ele?

Perguntou assim olhando para os vendedores,de ambos os sexos-que insistiam em observá-los à distância.Trajavam fardas brancas e azuis.As mulheres de saias,os homens de calças , ou de bermudas compridas.

-Escute aqui,eu sou uma mulher bem casada,e se está achando que pode desejar querer algo comigo....Acha que poderá me seduzir,e usa uma situação dessa de pretexto para uma abordagem com uma finalidade sexual...

Ele nada lhe disse.Dirigiu-se até um dos vendedores.Tirou o seu cartão de crédito da carteira.Pediu que passasse o cartão e que os pagamentos fossem parcelados em mais de 3 vezes. O menino,agora só observava.A mãe passiva quase não respirava.

-Sei que nunca foi capaz de lhe dizer um NÃO com uma precisão fulminadora,então,resulta nisso:passar vergonha ,com ele em locais públicos,por não ter a devida autoridade que uma mãe deverá ter com um filho.

-Senhor quer que embale e leve até o seu carro?

Indagou,com voz baixa a vendedora.

-Não irá comigo o brinquedo.Pergunte isso a mãe do menino...

O homem saiu andando,com passadas largas.A mulher permaneceu insólita-apenas observava a todos com o olhar.O menino abraçava o brinquedo.Ainda chorava,mas, tinha um ar de tranquilidade no olhar.Parecia ter saído vencedor daquela peleja.

Era uma tarde ensolarada de segunda-feira.A jovem senhora,vestida com fina elegância interrompeu os seus apressados passos.Parou diante de um mendigo,e ficou ali,estática.Parecia um pouco assustada.mais uma vez lhe parecia que o shopping iria ter mais um dia de quebra de rotina.O senhor tinha barbas longas.Estava vestido com uma roupa em fragalhos,suja.Usava sapatos furados.Um cachimbo jogado ao lado revelava ser mais um usuário do crack-a conhecida "droga dos mendigos."

Olharam-se nos olhos-e,apesar de tudo,reconheceram-se.Ela deixou u par de lágrimas escorrer pela sua rubra face.Ele,também,chorou.Disse-lhe:

-Eu fui uma criança rebelde,e tinha uma mãe ,que não controlava a cria.Não sabia dizer NÃO para os filhos...Eu nunca soube dizer NÃO para certas coisas na vida.Não fui educado para tal....Agora,estou aqui....Veja a minha situação...A vida não é um brinquedo.

A velha escadaria da antiga igreja permanecia empoeirada.A porta de madeira parecia ser resistente às intempéries do tempo.Ela ficou de pé,nos seus saltos altos,e quase em lágrimas perguntou:

-Vocês poderão fazer algo por ele?

Era o fim da reunião.Todos entre olharam-se...

-Tentaremos.Não vai ser fácil,a vida não é uma brincadeira...

LG

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 26/07/2019
Reeditado em 13/08/2019
Código do texto: T6704750
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