ESPERA!

A rotina matinal de Dona Catharina repetia-se, sem graça.

Há anos, presa à cama, acordava temerosa de abrir os olhos e não ver a claridade do dia à janela.

Por via das dúvidas, conferia se estava viva, buscando atenta o barulho dos ponteiros do relógio da sala.

Tocava a sineta para chamar sua cuidadora, a paciente Dona Helena.

Perguntava se o jornal já chegara.

Pedia-lhe que lesse o obituário.

A cada nome indagava a idade do indigitado falecido, especialmente as mulheres.

Se tivessem mais de noventa anos, punha no rosto a expressão “de estar puxando” pela memória.

Quando começou com a mania, quase toda semana, dizia “conheci este”.

Desfiava seus conhecimentos sobre a pessoa.

Memória espantosa.

Contava detalhes como onde morara, nome dos pais, cônjuges e filhos.

Se soubesse, revelava pequenas fofocas, permitidas à idade.

Com o passar do tempos, os nomes dos conhecidos rarearam.

Mensalmente havia um nome conhecido.

Depois, um a cada semestre.

Fazia mais de ano que não encontrava nenhum.

Naquela manhã, arregalou os olhos, ao ouvir um nome de mulher.

Repita esse nome, por favor.

Maria Ignês de... repetiu a cuidadora

Perguntou: “Leninha, era filha do sr. Deodoro e de dona Maria do Carmo?”

“Sim”, respondeu-lhe dona Helena.

Dona Catharina falou para dentro: “A filha do sr. Dedé da mercearia e dona Mariquinha, costureira morreu”.

“Leninha, por favor, veja se diz se era viúva do Deodoro Junior”.

“Exatamente! Parabéns! Que memória, dona Catharina! Elogiou dona Helena

“Como esquecer-me da Nezita? Éramos amigas “carne e unha”. Estudamos juntas o primário e o ginásio”.

“A senhora nunca me falou dela”.

“Ela me roubou o Dedé. Eu era apaixonada por ele”.

Fez-se alguns segundos de silêncio, interrompidos por um murmúrio de dona Catharina: “Finalmente”.

Sobreveio-lhe um longo suspiro de alivio.

Fechou os olhos e calmamente parou de respirar.

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 27/05/2019
Código do texto: T6658133
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