A DESCOBERTA
Estávamos numa floresta sem fim, mas em profunda paz, era dia 28, final de mês e o ano se passava rápido, desde do dia da fuga dos espanhóis. Fazia dias que nós não nos encontrávos em inconfundível harmonia, pois a chuva caía na hora certa, os Sol aparecia em lugares que só ele poderia permitir seu surgimento e sua irmã Lua, companheira eterna, completava o espetáculo com as estrelas num baile aparentemente sem movimento, porém, tudo se move e se transforma, até as árvores em comunhão densa e complexa tinham seu movimento incansavelmente lento.
Estas palavras que me vinham à cabeça lembravam meus ancestrais, eles eram cada vez mais vagarosos no andar, contudo mais sapientes no doar seus frutos do conhecimento, isso lhes tornava grandiosos como estas árvores de variedades inimagináveis de espécies raras.
Nós encontramos árvores iguais às que existiam em nossa antiga moradia há algumas luas daqui, e isso me faz lembrar uma coisa que um ancião me disse um dia. --- Nações podem ser dizimadas em qualquer parte do mundo, porém Deus sempre deixa viver pelo menos duas espécies de sexo diferente para que o filho ache uma semelhante a ele em um outro lugar distante, pois na verdade sempre seremos apenas UM como representação do TODO, mesmo que este TODO sejam vários, como realmente ele é.
E aqui estou eu, Klia com o meu marido Kim que lutou bravamente contra os espanhóis, porém, infelizmente ficou sem o movimento das pernas após um incidente na batalha final. Foi a hora que escolhemos para fugir antes de dizimar nossa raça. Seu pai nos ajudou enquanto pode com a locomoção até chegarmos aqui, agora ele está junto aos grandes guerreiros que protegeram fielmente os templos piramidais que foram saqueados pelos estrangeiros.
Enquanto Kim aguardava no nosso lar montado pelo seu pai e eu, após semanas de fuga, eu ia procurar alimento nesta nova terra e, principalmente tentar achar a benéfica árvore que em nossa cidade usávamos para curar casos como o de Kim, esta árvore da cura ficava sempre no meio a uma aglomeração e normalmente bem junto a ela existia "Hades", planta similar que continha os frutos da morte, nós oferecíamos aos espanhóis como oferenda, fingindo serem seres superiores ao nosso povo e prevendo, pelos oráculos, o que viria a acontecer à nossa raça. Seus frutos eram bem vistosos e suculentos, no entanto traziam a morte súbita em exatamente quatro semanas, seu veneno atingia, sigilosamente, o sistema cardíaco e parecendo hora marcada, eles caíam como bonecos de pano; culpavam os nossos Deuses por este cruel destino e como não sabiam o nome de nossas adorações, chamavam a árvore de Hades e sua fruta de Perséphone.
Numa tarde que parecia insólita, avistei a uns quinhentos metros donde o Sol se põem, o arvoredo que se misturava os dois símbolos do bem e do mal, sempre tão próximos como em nossa vida. A primeira eu conhecia e nem me aproximei, contudo a segunda que eu chamava de Céu-hula tronco, pois não pegava seu fruto e sim a casca azulada para fazer o chá.
O nome que minha família dava a árvore tinha três significados: um era seu tom azulado que lembrava o Céu, hula era o nome dado aos recém-nascidos, e que significava pureza, do troco nós tirávamos a casca para fazer o chá, pois seus frutos eram miúdos e quase sem gosto e serventia. E, com toda a alegria no coração levei o que seria o começo de tratamento de Kim. Da casca, ele tomou o chá por semanas e logo no segundo mês já podia se ver algumas melhoras como os dedos dos pés se mexendo. Após o sétimo mês aconteceu o esperado, Kim se levantou e começou a dar seus primeiros passos. A alegria em nossa pequena família era incontrolável, do azul só poderiam surgir milagres como a cor do céu onde os Deuses, através das estrelas, guiavam todos os nossos passos, avanços e renascimentos.
Tivemos três filhos homens e os ensinamos a história da construção de nossa civilização, também não contamos sobre a chacina após a chegada dos estrangeiros, para que na fase adulta sejam complacentes com os diferentes e que desbravassem este novo Lar como crianças recém-nascidas e sem ódio no coração. Nosso ouro que acumulávamos e que nos tornávamos mais preso a matéria, ou mistérios e conhecimentos aprofundados passávamos em doses paulatinas. Não nos entregaríamos a nenhum povo estranho sem luta, no entanto faríamos da docilidade e simplicidade o nosso lema para quem quisesse enxergá-las.
Na nossa velhice um deles voltou de sua desbravadora viagem e disse que viu o mar, e em poucos dias vislumbrando o oceano avistou enormes embarcações se aproximando da praia, ele nos contou sobre seus desafios em terra e o medo inconsciente que tinha de tudo o que vinha do mar. Perguntou-nos, então, o que deveríamos fazer.
Respondi, serenamente, que se os visitantes fossem maus mostraríamos Hades e se fossem bons, lhes diríamos o caminho da cura através do azul do Céu.