Sonho de uma noite de verão

As luzes se acendem no palco, revelando o interior de uma sala humilde em Atenas. Pela porta à direita, entram seis homens cantando a música dos Sete Anões:

- Eu vou, eu vou,

  pra casa agora eu vou

  parara-tim-bum

  parara-tim-bum...

O homem que vai à frente ergue os braços para pedir silêncio.

- Calem-se! - Ele ordena.

A cantoria termina. O primeiro da fila cruza os braços, encarando os demais.

- Estou me perguntando porque estamos cantando "Eu vou" se somos apenas seis, e os anões da Branca de Neve eram sete.

- Ora, Quince - retruca o segundo da fila. - "Eu vou" é uma canção de trabalho e todos somos trabalhadores!

- Trabalhadores e artistas, meu caro Bottom. E é esta a razão do nosso encontro aqui hoje. Decerto que todos ouviram falar sobre a seleção de números artísticos para entreter o Duque e sua corte, na tarde de seu casamento com a Duquesa?

Os outros cinco expressam a sua concordância por meio de um vozerio confuso. Quince ergue os braços.

- Quietos! Eu os convoquei justamente por ter aqui uma peça que poderemos ensaiar rapidamente e nos inscrevermos na seleção do palácio!

- Sem falas longas, eu espero - declara o último homem a entrar no recinto.

- Sem monólogos, Flauta - promete Quince.

- E qual o título de tão prestigiosa peça, que poderá nos render uma bolsa de incentivo cultural do Duque? - Interrompe Bottom.

- "A mais lamentável comédia, a mais cruel morte de Píramo e Tisbe" - recita Quince.

Os cinco artesãos entreolham-se e depois encaram o líder da trupe.

- A intenção é boa... - admite Flauta. - Mas não acha que falar em suicídio numa festa de casamento é um pouco pesado demais?

- Eu acho que o Duque vai é nos mandar enforcar, se levarmos essa ideia adiante - comenta outro artesão.

- A objeção de Starveling faz sentido, Quince - observa Bottom. - Por mais que eu quisesse reprisar o papel de Píramo, não creio que este seja o momento apropriado.

- Estou com poucas opções disponíveis e o tempo é curto - admite Quince. - Alguém teria outra sugestão a dar?

Um artesão levanta a mão.

- Sim, Snout? - Indaga Quince.

- Antes de virmos para cá, eu estava conversando com meu colega Snug, e ele lembrou que há muito não montávamos "O Pavão Misterioso".

- É uma peça leve, cheia de lances rocambolescos, ideal para entreter os convidados do casamento - acrescenta Snug.

Quince olha para os cinco colegas, expressão meditativa. Finalmente, declara:

- Está bem. Mas não temos nem verba ou tempo para construirmos a máquina voadora do título. Como pretendem resolver isso?

- Usemos a imaginação - atalha Snout. - A nossa e a da plateia. Snug pode fazer de conta que é o Pavão Misterioso: de pé, está montado e pronto para voar; com os braços para a frente, está voando, e agachado, está desmontado e guardado na caixa de Evangelista.

- O Pavão Misterioso vai ter alguma fala? - Preocupa-se Snug.

- Imite o barulho do motor quando estiver voando,  - sugere Quince - mas num tom baixo, que não atrapalhe o diálogo dos demais colegas em cena.

- Eu quero ser o Evangelista! - Proclama Bottom.

- Que novidade - retruca Quince. - Então, Flauta vai ser a Condessa Creuza, a moça mais bonita da Grécia.

- Terei que falar em falsete? - Preocupa-se Flauta.

- Desde que tenha modos delicados, fale como bem lhe aprouver - replica Quince. - Snout vai ser João Batista, irmão de Evangelista, eu vou ser o Conde, pai de Creuza, e você, Starveling, será o Dr. Edmundo, o inventor do Pavão.

- Muito bem - replica o interpelado. - De alfaiate à engenheiro, é uma bela promoção. Mas eu tenho um questionamento a fazer.

- Pois que faça - redargue Quince.

- Como vamos justificar para o público a presença de uma máquina voadora na Grécia Heroica?

Quince ergue os sobrolhos.

- Ora, Starveling! Escreverei um epílogo onde será revelado que tudo não passou do sonho de uma noite de verão!

E, batendo palmas:

- Agora chega de perguntas que temos uma peça para ensaiar!

- [17-02-2019]