A VELHA ÁRVORE DA PRAÇA

Estamos no auge do outono. Mais um inverno se aproxima. Minhas folhas caem uma a uma e são levadas pelo vento. Posso sentir a seiva que corre em meu tronco e galhos se tornar mais lenta. É hora de hibernar a espera de que o inverno passe e a próxima primavera seja tão brilhante quanto todas as outras e que o verdor de minhas folhas possa novamente prover a sombra aos encalorados e abrigo à passarada.

Estou por muito tempo plantada nesta praça. Dias. Meses. Anos. Séculos e até milênios. Mas, nos primeiros tempos, quando eu ainda era apenas um broto despontando do solo negro da floresta, o verde de nossas folhas se estendia muito além do que a vista pode alcançar.

Éramos tantos que disputávamos o sol ferrenhamente entrelaçando-nos com outras plantas, forçando o caminho até o alto para o sorver o calor do astro imenso e sentir a brisa embalar nossas galhadas.

Para onde quer que se olhasse, norte, sul, leste e oeste éramos um mar verde abrigando uma vasta quantidade de vida que nascia, crescia e morria em nossos caules, galhos e folhas. Feras medonhas, pequenos mamíferos, répteis, insetos de todos os tipos, alimentavam-se dos frutos da floresta outros alimentando-se de outros animais, fazendo girar a roda da vida.

Um dia, porém, um som diferente fez calar as vozes da floresta. Os animais pararam repentinamente a sua lide e silenciaram em atenção ao barulho ritmado e seco que reverberava pela mata.

Era o som de um machado dilacerando o tronco de uma árvore antiga . O ruído que se seguiu ao do machado foi, porém, mais terrível. Fibras de madeira se partiam e um estrondo, fez tremer o solo. Os animais corriam apavorados. Pela primeira vez ouvíamos a algaravia dos homens, o ruído de seus instrumentos e o som da destruição em nosso vale.

Até a chegada do homem nestas paragens, não havia aldeias, nem vilas, nem cidades. Mas a partir daí a paisagem foi aos poucos se transformando. O verde de nossas folhas foi dando lugar ao solo nú e poeirento. Pequenos ajuntamentos de pessoas com suas choupanas foram aparecendo. Chamavam isto de aldeia. Eram como formigas. Carregavam tudo o que podiam para o interior de suas tocas. Madeira, pedra, àgua, o que quer que fosse de proveito para eles. Matavam até mesmo os animais para alimentar-se e alimentar a sua prole destrutiva.

O pequeno ajuntamento transformou-se em vila. E a cada vez que cresciam, ocupavam mais espaço. Necessitavam de mais recursos. Destruíam mais florestas.

Quando a ganancia e o egoísmo desses homens cresceu tanto quanto o seu número populacional eles se corromperam, matando-se uns aos outros atrás de poder e de tesouros. Em resposta a vileza de suas intenções vieram as guerras e com elas mais destruição.

Madeira para os escudos, lanças, arcos e flechas. Madeiro para os fornos dos ferreiros que confeccionavam as espadas, escudos e armaduras. Madeira para os estaleiros que fabricavam as naus de guerra.

O tempo passou, transformando os dias em meses e os meses em anos, os anos em séculos e milênios e pelo menos nestes arredores, o espirito belicista dos homens foi aplacado.

A vila evoluiu em uma grande cidade e salvo, talvez pela consciência de alguns, foram deixados pequenos bosques salpicados pelo vale e isto foi tudo o que restou do verde. Já não somos mais uma floresta, agora o concreto domina a paisagem. Casas, ruas asfaltadas e prédios altíssimos compõem um intrincado sistema de vida.

Perdi a conta dos meus anos enraizada nesta terra e vivo aqui isolada nesta pequena praça no centro da cidade. Circunda-me um pequeno gramado com algumas flores que de tempos em tempos são trocadas.

Junto ao meu caule há um banco onde nas noites mais frescas recebo casais enamorados e ouço suas juras de amor por toda a vida. Durante o dia sou a sombra que abriga homens e animais do sol escaldante.

Não sei por quanto tempo ainda resistirei a solidão e a este ar viciado pelas descargas dos gases dos automóveis. Passo os meus dias silenciosamente, ouvindo o som do tráfego e as histórias de todos aqueles que acham abrigo sob minhas folhas.

Espero pelo dia em que também deixarei esta existência e me diluirei em pequenas partículas atômicas para quem sabe me recompor em uma outra espécie em um outro ser. Espero apenas que não seja na vil criatura chamada homem...