O triste fim de X
Foi, então, que, apressado, tenso e nervoso, resolveu convocar uma assembleia. Todos receberam o convite apreensivos, já que mencionava urgência. Era conhecido por seu jeito sóbrio, discreto e tranquilo apesar de muito requisitado. Havia tido um sonho que acreditava visionário, o início de uma nova era, feliz, livre, autêntica. Era preciso compartilhar e fazer chegar a todos. Sua intenção não podia ser melhor, pensou.
Estavam todos presentes, exceto a letra Z. Ninguém soube explicar sua ausência. Houve certo burburinho e, diante disso, preferiu afirmar, em alto e bom tom, que havia feito o convite a todos. Isso não foi o suficiente para convencer B, desconfiado como de costume. X bateu, suavemente, sobre a mesa e, imediatamente, todos se calaram para ouvir.
A ideia, na sua visão, brilhante, seria simples: somente X poderia falar de X. Parecia muito lógico. Afinal, quem senão ele mesmo conhece as dores e os sofrimentos próprios aos seus contornos e ao movimento que implica sua marca? Era preciso delimitar as coisas, garantindo sua pureza. Relatou humilhações decorrentes das confusões sobre quem diz sem saber o quê. Se cada um limitasse suas atividades a seu universo particular, o mundo teria menos problemas. Reinaria a paz, o respeito e a harmonia.
Todos ficaram perplexos. Não acreditavam que a reunião havia sido convocada para ouvir tamanha asneira. Afinal, não era ele o mais fluido de todos? Não era ele o geralmente procurado nas equações? Não era o preferido? E por ser preferido, o que assumia diferentes significados e valores? Não é possível, pensou seu rival Y. Havia ficado louco? Além disso, como se daria a formação das palavras? Como se resolveria as brigas histórias entre M e N? N sempre se recusou a estar antes de P e M, consternado com sua situação, decidiu que ocuparia o lugar de N quando necessário. O fato é que ninguém entendeu muito bem como funcionariam as coisas desde então.
Apesar da perplexidade inicial, alguns outros começaram a entrever que aquilo poderia ser a solução para muitos problemas. K não gostava do fato de ser pouco usado. Acreditava que a proposta geraria um equilíbrio maior entre todos. W também se interessou. Sentia-se pouco representado. W perguntou se X era o mesmo que X’ e X’’. X ficou sem saber o que dizer. C preferiu dizer que, por conta do cedilha, deveria ter dois lugares, pois eram diferentes.
A confusão se instaurou e ninguém mais se entendia. Todos falavam ao mesmo tempo. X ficou sem saber como contornar a situação. Considerando-se o X da questão, meteu-se num quadrado menor que seu tamanho, enforcando-se.
Na sepultura: Aqui jaz X, aquele que, de tão fluido, acabou em quadrado.