CINZAS MITOLÓGICAS

Em determinada cidade, algumas pessoas diziam ter visto um gigantesco pássaro com penas cor-de-fogo cruzar pelos céus, entoando um canto melodioso e triste. A notícia se espalhou de que se tratava de uma ave rara e, por isso mesmo, caríssima. Encontrá-la seria comprovar a existência de um mito antigo e conquistar status e dinheiro. E, assim, alguns se puseram à procura daquele pássaro, não logrando êxito. Nesse tempo, o mundo estava mergulhado na escuridão da ganância e do individualismo. O mito do pássaro ganhava notoriedade e instigava o deboche, tal qual se debochou do famoso chupa-cabra.

No entanto, foi numa tarde de verão que o pássaro surgiu nos céus, aos olhos de todos, tal qual era descrito pelos rumores. E entoou o seu canto por onde passou. Em seu íntimo, o pássaro despertou a força naqueles que eram fracos, a coragem nos que eram covardes, o amor nos que nutriam sentimentos nobres, a esperança para os desesperançosos e a alegria para quem estava triste. Também despertou o arrependimento nos corações trevosos. E as lágrimas rolavam no rosto de todos os que contemplaram aquela raridade, que tinha algo de divino e, talvez, de profano. A ave pousou nos galhos de uma árvore na praça e todos correram para observá-la, tirar fotos e admirar a sua beleza. Foi quando um tiro abriu um rombo no peito da ave, que tombou fulminada. A multidão se voltou para o homem armado. Por um momento, todos o encararam, resignados. Mas antes que ele pudesse dar um passo, cairam em cima dele, raivosos, desarmando-o e chegando a linchá-lo por ter dado fim a algo tão belo. Foi quando alguém apontou para o pássaro, que havia sumido. Em seu lugar, apenas cinzas...

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 12/09/2007
Reeditado em 12/09/2007
Código do texto: T649494
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