Acontece Quando Está Sóbrio…
Dessa vez ele estava sentado naquele bar de esquina, que as pessoas chamavam carinhosamente de "copo sujo". Não bebia mais, então não sabia o motivo real de estar ali. Não quis refletir sobre isso, e pediu um copo de qualquer coisa assim mesmo...
Como comprovar que o planeta é redondo ou pelo menos de formato circular, vá viver em uma ilha por um tempo, onde a visão do horizonte seja tão ampla que é necessário virar o pescoço de um lado para o outro de maneira ininterrupta, e o desenho que esse movimento faz é circular. É tão básico como a receita de fazer um bolo de cenoura. É necessário cenouras para fazê-lo, simples assim. Ele caminhava apenas de bermuda pela praia, era uma bermuda colorida e seu corpo estava magro, porém forte com a pele alaranjada pelo sol. Sentia-se saudável sabe se lá o motivo, o ar praiano talvez. Já tinha ouvido falar que quem vive no litoral tem uma expectativa maior podendo chegar a uma velhice com mais qualidade do que aqueles loucos que vivem em grandes cidades. Porém ele também viveu em meio ao concreto, sem ter uma natureza por perto e àquelas malditas plaquinhas de não pise na grama. E era bem provável que voltaria a viver, pois era assim, alguns meses em um lugar, alguns anos em outros, sem planejar. Havia conhecido muitos lugares, quebrando os mitos e conferindo os paradigmas citados. Não ache que o outro tem mais tempo que você por que ele esta provavelmente fazendo o que quer fazer... E você também está, é uma escolha, você é quem escolhe como usar seu tempo e olha para seu vizinho acreditando que ele tem mais tempo pois as escolhas são diferentes... Irônico né!
Porém era junto da natureza, com o dia totalmente livre para curtir a gelada água da cachoeira, lagarteando sobre uma imensa pedra lisa, que sua mente se tornava tão poderosa, que ele conseguia criar várias coisas ao mesmo tempo. Apesar de aparentemente preguiçoso, o cérebro trabalhava a um milhão por hora parindo novas conexões o tempo todo; e as que já existiam ali, iam evoluindo, melhoravam suas sinapses, se ligavam de maneiras diferentes, e ele produzia e produzia sem parar. Uma mente que só existe por que cria. A negação é um sentimento covarde, pois na escolha deixa-se de se viver algo que poderia ser muito bom pela sabotagem consigo mesmo... Continuava escrevendo em seu caderno de bolso.
Ele havia percebido, que em parte daquelas histórias todas, que não era ele. Não como personagem, nem como criador, eram transcrições de vidas reais que passavam como um filme diante de seus olhos. As pessoas, os desejos das mesmas, suas vontades e seus receios. Essa era uma sensação ambivalente, podia ser tão boa quanto um tanto estranha. Mas percebeu que elas não se assumiam por elas mesmas, por medo próprio do que elas podiam fazer, e colocavam a culpa da brincadeira nele, como se ele fosse a pessoa que fosse fazer algo que elas não quisessem, porém, elas queriam, não tinham era coragem de fazê-lo ou de assumi-lo. Confuso? Imagina então viver isso dentro daquela cabeça todos os dias. Faziam treze dias, e ele continuava contando, estava totalmente sóbrio. Era mais fácil se resguardar pensando que ele seria o cara que cometeu o ato sozinho, como se em uma relação, um pudesse mais que o outro. Ele só estava escrevendo, não eram histórias reais, eram? Não se coloque em risco então, por que ele vai com aquele jeito de "come-quieto" conseguir te conquistar, te ludibriar, era o que as pessoas pensavam, e quando ele caiu em sua existência, viu que eram elas que o desejavam tanto quanto ele mesmo, que claro, se tivesse a chance faria o melhor por todos, porém as pessoas tinham seus milhões de motivos, e o pior deles, eram todas comprometidas hoje em dia, então, se a carne é fraca, para que arriscar não é mesmo.
Ele virou aquela dose de uma só vez. Já era a quinta dose. Saiu cambaleando pela rua e sua cabeça latejava. Não gostava de beber, por que então o fez. Não precisava provar mais nada para ninguém. Ele bebeu cinco doses de água... Pura. Estava sozinho, em seu trabalho, no seu tempo de lazer, na sua escrita.