PESADELO HITLERIANO

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Quando, depois de um intenso dia de trabalho, o Sr. Barbosa estava dirigindo em direção da sua casa, lembrou que estava perto de completar 63 anos (faltavam cerca de três semanas) e ainda não havia conseguido alcançar o objetivo de se tornar vicediretor do Departamento de compras daquela Empresa estatal. Isso o deixava profundamente insatisfeito e magoado, além de suscitar nele sentimentos de revolta justificada pela constatação que outros candidatos mais novos e inexperientes haviam subido de grau mais rapidamente do que ele.

Provavelmente, apesar de sua comprovada experiência, a diretoria o havia descartado favorecendo sorrateiramente jovens colegas incompetentes mas devidamente apaniguados.

Logo que chegou em casa, uma pesada sensação de descontentamento lhe atravessou o peito e, por isso, foi se deitar sem sequer tirar as roupas. Teve a percepção que algo de grave estivesse prestes a acontecer, mas os sentidos o abandonaram e um sono pesado e profundo como a morte se apossou do seu corpo antes que tivesse o tempo de ligar para o Pronto Socorro.

Quando finalmente acordou teve a impressão de ter dormido por um tempo incomensurável; mesmo assim sentia-se completamente repousado, cheio de força e de vigor como se tivesse rejuvenescido pelo menos de vinte anos. Entretanto, ao olhar ao seu redor, se deu conta que aquele ambiente não lhe era totalmente familiar. Ou melhor, por um lado se sentia à vontade, pelo outro encontrava dificuldades a se localizar. Olhou da janela e nada viu se não uma porção de jardim encoberta por uma modesta camada de neve. O céu estava frio e cinzento. Sentiu fome e reparou que, no centro duma mesa, havia uma bandeja contendo leite fresco, café fumegante, torradas bem crocantes e uns deliciosos krapfen que devorou imediatamente.

Ao lado do café da manhã estavam uns cotidianos intactos.

Abriu um e começou a ler as notícias com a maior naturalidade observado, apenas, que não havia fotografias. Mas em todas as primeiras páginas aparecia uma manchete em grande destaque: “Hoje o Presidente Paul von Hindenburg vai receber o Senhor Adolf Hitler”. A data de 30 de Janeiro de 1933 ajudou a esclarecer suas dúvidas, pois lembrou que naquele dia, em Berlin, Hindemburg iria nomear Hitler Chanceler do Reich dando assim formalmente início à ascesa da ditadura nazista. Achou estranho que alguém tivesse posto, ao lado da bandeja, cotidianos velhos de quase noventa anos. Mas ficou ainda mais perplexo quando se deu conta que estava entendendo perfeitamente o idioma alemão.

-Que estranho, pensou, nunca estudei essa língua, mas deve depender da semelhança entre o alemão e o inglês, e também do fato que se trata dum texto escrito e não falado-.

Seus pensamentos foram interrompidos por alguém que bateu de leve na porta. O Sr. Barbosa começou –instintivamente- a se apressar e, por isso, entrou no banheiro para se barbear e pentear.

Quando chegou diante do espelho não quis acreditar no que seus olhos estavam vendo. Por um momento achou que se tratasse de uma brincadeira de mau gosto, de um truque de cinema, mas logo descartou essa hipótese. Imaginou, também, que tudo não passasse de um sonho, mas as sensações eram bastante reais e bem definidas para serem apenas um sonho ou uma alucinação. Não havia como negar: o seu rosto era o de Hitler, ou melhor, ele era o próprio Adolf Hitler!

Uma sensação de terror o arrebatou.

Perguntou-se, em vão, por qual motivo tudo isso estava acontecendo. Ele, que havia vivido no futuro, agora havia sido projetado num passado sombrio e ameaçador. Tinham razão os cientistas quando afirmavam que existe um número quase infinito de universos paralelos que, ocasionalmente, podem comunicar entre si? No entanto, na situação atual o problema mais importante era saber como devia se comportar.

Podia simplesmente renunciar a tudo e tentar sumir do mapa.

Mas como teriam reagido os outros membros do partido, principalmente os indivíduos mais violentos como Goering, Himmler, Goebbles e companhia?

Provavelmente o teriam encarcerado, até matado, e os mais fanáticos teriam dirigido a Alemanha numa guerra de extermínio contra as populações tidas como inferiores.

Não ia ser melhor disfarçar suas reais atitudes e, ao mesmo tempo, fingir secundar as pulsões homicidas dos elementos piores para amenizar os lados mais desumanos do programa político nazista? Era arriscado, mas destarte podia evitar os desastres duma guerra e se tornar um dos estadistas mais prestigiados do mundo. Por outro lado, perguntou-se se, ao contrário, não fosse melhor planejar um conflito contra Stalin que, dentro de poucos anos, teria assassinado milhões e milhões de russos inocentes. Ainda mergulhado em mil e um pensamentos, terminou de se arrumar e, de terno escuro, gravata e cartola, saiu para ir ao encontro com o Presidente Hindemburg e assumir o cargo de Chanceler.

Ainda não sabia o que teria feito depois...

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Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 17/09/2018
Reeditado em 14/04/2020
Código do texto: T6451402
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