O MENDIGO FRITZ
Fritz foi um militar nazista sobrevivente da segunda guerra mundial. Fritz era o único mendigo do bairro do Brooklin Paulista na cidade de São Paulo no ano de 1968. O mendigo Fritz segurava as suas calças puídas, andava cabisbaixo e pensativo e, às vezes aparecia, às vezes sumia daquelas ruas.
Julgavam Fritz um doente mental, mas Fritz apenas trazia o seu problema de ter sido um militar nazista e segurava as calças para não usar novamente uniforme. Segurava as calças porque isto impediria o gesto de engatilhar alguma metralhadora imaginária, lembrança da guerra, ou executar novamente o cumprimento nazista.
Fritz não devia gostar do cumprimento nazista. Meninos zoavam e lembravam o tal gesto ao mendigo. Alguém parecia dizer: “O nazismo existiu!” Fritz dava um berro para assustar crianças.
Fritz tinha o rosto queimado e eu presumia as marcas como sequelas da explosão de uma granada, detonada todos os dias ao seu lado, em um campo de batalha irreal, onde deviam surgir também - além dos estilhaços - suásticas e baratas da espécie americana.
Havia algo entre as suásticas e as baratas de Fritz, mas as baratas não tinham culpa.
Fritz queria tão somente segurar as suas próprias calças.
Um dia Fritz morreu. “Morreu o mendigo!” Não falaram do militar nazista morto nas ruas do bairro do Brooklin Paulista. Falaram do mendigo. Disseram coitado sem saber que a condição de coitado era exatamente o final triunfante do conflito: o mendigo Fritz contra o nazista. As calças penduradas e puídas do mendigo contra o uniforme.
O mendigo brasileiro Fritz foi até o fim. Sem loucuras.
Imagino Fritz agora; quando ele urinava, certamente o mundo se distorcia. Fritz deveria se sentir um tipo de vira-latas, a urinar em estranhos postes: às vezes nas próprias pernas, às vezes no seu antigo par de botas da Gestapo.
Do meu livro: Óbitos em Copacabana