Che madam, que parlás en francés...

O título, emprestado do tango Muñeca Brava, inolvidável canção gravada por Carlos Gardel em 1928 é, pra mim, o fio da meada, que conduz a narração que se segue:

No início ano de 1986, servindo na Embaixada do Brasil em Ottawa, a capital do Canadá, onde o bilingualismo anglo-francês se encontra - naturalmente depois de haver varrido os povos autóctones da região - recebemos um novo Ministro-Conselheiro, Nuno d'Oliveira que, na hierarquia das Missões Diplomáticas é o Vice, abaixo só do titular do Posto, Sua Excelência, o Embaixador.

Nuno viera de Brasilia para cumprir seu último estágio antes de chegar a Embaixador. Sua fineza no trato, disposição para o trabalho e paixão pelo Fluminense - que à época era o maior vencedor de campeonatos do Rio de Janeiro - eram formidáveis, à beira do extraordinário.

Nuno era casado com uma lindíssima senhora, de ilustres raízes mineiras, cuja proximidade podia valer bem uma sentença. De absolvição ou condenação. Mãe extremada, e esposa mais ainda, os admiradores deveriam contentar-se na admiração.

A educação que recebera a Senhora d'Oliveira fora certamente primorosa, e se o percebia em todas as ocasiões sociais do círculo diplomático que frequentava com graciosa modéstia e dedicação.

Duma feita, convidada pelo grupo das senhoras dos vices das Embaixadas latinas - lá chamados então de Deputies - para proferir uma palestra sobre o nosso país, aceitou de bom grado a incumbência. Só se deteve, contudo, diante de um pequeno obstáculo - que me confidenciou, e que, infelizmente, não vim a saber se e como o contornou: o grupo em apreço era formado em 90% de senhoras de fala hispânica e a palestrante, a ser c confirmada, como língua estrangeira somente falava o francês. E nesse particular, lembro-me, pediu-me a opinião sobre se devia fazer a apresentação na língua de Voltaire.

Matutei, cheguei a coçar o queixo e apenas lhe assinalei que, uma fala em francês talvez tornasse o entendimento mais difícil, pois essa não me parecia ser língua estrangeira de mais curso, ou de preferência, ainda que de grande admiração, entre os povos hispano-americanos. Acho que cheguei a aventar uma alocução na língua-mãe, nossa querida e inculta flor última do Lácio.

Da próxima vez que encontrar a referida senhora, prometo-lhes perguntar-lhe como resolveu essa tão delicada questão... je vous le promets, bien-sûr!

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 01/08/2018
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