Permita-me um aparte
A lua cheia brilhava sobre Nova Iorque naquele 25 de maio de 1961, depois de alguns dias de frio e chuva, anormais para aquela época do ano. Sentado num bar próximo à Penn Station, em Manhattan, Ernst Patel, um sujeito magro de nariz adunco e calva incipiente, cerca de 55 anos de idade, lia a seção de esportes do "The New York Times" quando percebeu que alguém sentara-se na cadeira em frente a ele. Ergueu os olhos e viu um homem cerca de dez anos mais jovem que ele, ligeiramente acima do peso, rosto redondo e afável, óculos sem aros e cabelos castanhos cacheados. O homem, que vestia um sobretudo castanho, sorriu.
- Espero não estar atrasado - declarou.
Patel consultou seu relógio de pulso.
- É pontual, senhor... ?
- Atkinson. Moses Atkinson.
Patel dobrou cuidadosamente o jornal sobre a mesa, sem despregar os olhos do recém-chegado.
- O que bebe, senhor Atkinson?
- Está uma noite fria. Café e donuts seria uma boa ideia.
Patel fez sinal para uma garçonete e fez o pedido.
- Dois cafés e donuts.
Patel então concentrou-se novamente em Atkinson.
- Nunca nos vimos antes, e durante muitos anos tive dúvidas de que existisse de verdade... - comentou em voz baixa. - Mas, sem a sua ajuda, toda a nossa operação na América teria sido desmantelada.
- Sim, eu sou de carne e osso - sorriu Atkinson. - E tenho consciência de que, se não houvesse denunciado Elizabeth Bentley à embaixada soviética em 1945, ela teria exposto todos os agentes infiltrados em solo americano. Provavelmente, vocês teriam imensa dificuldade para recriar uma nova rede de espionagem... sem contar o impacto negativo junto à opinião pública dos Estados Unidos.
- Por que demorou tanto tempo para fazer contato novamente? - Indagou Patel. - E por que nunca tentou tirar proveito do seu gesto? Ideologia?
Atkinson balançou negativamente a cabeça.
- Há muita coisa em jogo, mas não entreguei Bentley por simpatizar com a União Soviética. Ocorre que, por questões de longo prazo, é necessário que a corrida espacial continue a ser liderada pelos russos, principalmente agora que Kennedy fez o seu discurso de pôr um homem na Lua até o final da década... e trazê-lo de volta à Terra em segurança.
- Eu ouvi o discurso de Kennedy, se me permite o aparte... - atalhou Patel.
- E eu sei que na URSS, neste exato instante, estão estudando como impedir que a intenção se torne realidade - prosseguiu Atkinson sem se alterar. - Bem, eu estou aqui para ajudá-los nessa missão.
Abriu uma pasta de couro que mantivera no colo, e dela retirou um grosso volume de páginas datilografadas e esquemas técnicos, fotocopiados, numa capa de couro sintético preto, onde lia-se em letras douradas "Programa Apollo".
- Isto aqui é um resumo das tecnologias que os americanos estão desenvolvendo para chegar à Lua... e também contém dados sobre as missões do Programa Mercury.
Patel pegou o volume com as duas mãos e começou a folheá-lo. Havia uma profusão de termos técnicos e ele não era um especialista em ciência de foguetes, mas concluiu que o material parecia autêntico. Alguém precisava examinar aquilo com urgência em Moscou.
- Não vou perguntar como teve acesso a esse relatório... mas se for comprovado como verídico, como poderemos recompensá-lo?
- Não destruindo o mundo numa guerra nuclear já seria um bom começo - retrucou Atkinson. - Em seguida, construir uma base na Lua e uma colônia em Marte, seriam os desdobramentos lógicos.
- Parece-me que está interessado na sobrevivência da Humanidade a longo prazo - avaliou Patel.
- E existirá objetivo mais nobre do que esse? - Questionou Atkinson.
A garçonete aproximou-se com uma bandeja, os cafés e os donuts.
Enquanto os homens comiam, lá fora a Lua cheia brilhava sobre a noite fria em Manhattan.
- [27-07-2018]