CONTOS INSÓLITOS E DUVIDOSOS – IV
A Negra do Quilombo e a navalha.
Imaruí é uma cidadezinha no sul do Estado de Santa Catarina, mas que na verdade é uma ex-colônia de pescadores que, apesar da escassez do pescado, hoje ainda mantém o mesmo costume do enraizado hábito pesqueiro.
Este enclave que foi abandonado pelo progresso, está contornado pela BR 101 pelo leste e, a oeste e ao norte, pelos contrafortes da esmaecida serra do mar, totalmente desencapada da sua floresta primitiva.
E ao sul, leste e oeste de forma regional, é banhada em todas as suas adjacências pela lagoa de mesmo nome.
É uma região que foi caprichada pelo onipotente Criador por meio das forças telúricas e, todos que aqui aportam, concordam que a sua natureza é exuberante e própria para a interiorização.
Entretanto e infelizmente, para desespero do nativo não tem a vocação turística, em função da má vontade política dessa praga de administradores ineptos que nós mesmos elegemos, e que, por estreiteza intelectual, eles determinam por uma incompetência cega mais ainda o atraso deste município.
Bem, essa região é totalmente cortada pela lagoa e, esta por sua vez, serpenteia a periferia com as suas águas formando os sacos muito conhecidos dos açorianos e dos caiçaras.
Da formação desses sacos, resulta que as pequenas montanhas avançam mar a dentro, sem realmente se constituir num cabo, mas simplesmente uma ponta de terra que invade graciosamente a lagoa.
E a ponta mais conhecida é a ponta do pesqueiro, que também é conhecida por ponta do “Quilombo”, onde pela própria natureza do nome, residia em tempos idos a Negra feiticeira, objeto e foco deste conto.
Contava o meu pai, que contava também o meu avô, o causo da Negra do Quilombo, por isso eu não o chancelo como verdadeiro, porque nessa época eu não existia nem como memória genética.
Eis o causo:
Dona Maurília, essa senhora que conheci na minha infância, e que na época era bastante idosa, eu acho que ela andava lá pelos seus oitentas anos.
Essa senhora casou-se e, pelo que me contaram, foi lá pelo início do ano de 1870, dizem que foi um casamento muito comentado por tratar-se de pessoas simpáticas e muito conhecidas da pequena sociedade, e que os noivos eram demasiadamente apaixonados.
Dessa abençoada união, segundo as pessoas que comentam, não houve descendentes, em virtude do trágico acontecimento que enlutou e causou pavor em toda a região.
Ela era uma moça prendada e de boa família, cristã fervorosa, muito linda e, de tão linda, despertou a paixão de outro moço também da sociedade e muito conhecido.
O moço apaixonado e preterido pela moça Maurília, inconformado pela situação, devotou um ódio cego ao seu desafeto e que havia se transformado em esposo da moça.
Totalmente envenenado pelas toxinas do ódio e do ciúme, arquitetou de modo sórdido e sem sujar as suas mãos, a morte violenta do seu inocente desafeto.
Miseravelmente corroído pela rejeição e totalmente dominado pela inspiração de satanás, procurou essa Negra do Quilombo, para encomendar a execução do inocente esposo, por meio da magia negra exercida por essa medonha e misteriosa mulher.
Ele sem mais controle emocional e totalmente robotizado por espíritos inferiores, pagou a Negra para induzir o desafeto ao suicídio por degola, através da navalha quando estivesse cortando a barba.
Segundo os antigos que ainda vivem, disseram-me eles que, o meu pai e o meu avô me contaram a pura verdade, e que a Negra pela manhã viu através de um espelho o esposo da dona Maurilia preparando-se para cortar a barba como era de costume.
E, num movimento simulando a degola na imagem virtual do espelho, a Negra executou o serviço.
Pasmem! No mesmo instante em que a Negra fez o gesto da degola, ele, o marido de dona Maurília executou a degola em si mesmo no banheiro.
Acredite se quiser!