O ASSALTO

Este foi o momento máximo da altercação:

- Passa-me a sua vida.

O incomodado fez-se a princípio de mouco. Parecia ilustrar em disfarces que não ouvia, que não compreendia a chamada.

Era hora dos trabalhadores assalariados largarem suas atividades profissionais e virarem transeuntes na..., até hoje, naquela pacata cidade.

Ao perceber a insistência e para não demonstrar reação ofereceu, abrindo os braços, o que o investidor quisesse na demanda. O relógio foi a primeira oferta.

- Não quero seu relógio.

Bradou aquele que olhava assustado entorno, com medo do flagrante.

Cuidadosamente gesticulou tirar a carteira com dinheiro do bolso da calça. Ainda haviam alguns bons trocados que serviriam ao imposto.

- Não preciso de seu dinheiro, nem pouco, nem muito!

No outro bolso estava o celular. Que pena, de última geração, prestações ainda por pagar. As fotos do carnaval, da filha, da esposa, os selfies...serviriam ao pedágio?!

- Não quero seu celular. Maluco, dá-me o que pedi logo!

- Mas minha vida toda ou quase toda está aqui. Relógio, dinheiro, celular....ah, aqui está a chave do carro, usado mas não dá problema de motor. Troquei o alternador e bateria por recauchutado e nova, semana passada. Pneus meia vida.

- Passa-me a sua vida. Que letra você não entendeu?

Não havia jeito. Como convencer? Como deixar em casa todas estas coisas, jóias, tênis de marca, eletrônicos... por precaução, por medo da violência e na primeira esquina nos pedirem a “vida”?

Como deixar a vida protegida em casa?!

- Virar um drone?!

Lembrou-se, por Deus, de um livro, pronto ao editor que continha, entre poemas, a sua biografia. Estava no embornal, no banco traseiro do carro. Antecipou seus movimentos ao ceifador e sacou o livro. Abriu na página certeira, leu as primeiras palavras, o parágrafo até o batismo. Os próximos capítulos versavam sobre a infância lúdica, os estudos sobre a força, os trabalhos forçados, os nomes das amadas,os pronomes das amantes, o preço dos diamantes.

O tirano sorriu.

Acudiu ao livro o sedento e sumiu no lusco-fusco, entre o dia e a noite, entre as rimas e a sorte!

Quanto ao cauteloso, anda agora com sua biografia completa impressa, no bolso das calças de trabalhos e de festas!

Luís Aseokaynha
Enviado por Luís Aseokaynha em 18/06/2018
Reeditado em 20/06/2018
Código do texto: T6367797
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