PERDI A MEMÓRIA E/OU DESENCARNEI

Prólogo

É muito difícil para mim escrever e admitir que tenho inveja da chuva, da terra, de tudo que lhe toca nessa solidão medonha existente no local onde você está. O desencarne ocorre para nos mostrar a fraqueza humana, a não perenidade das conquistas de tesouros materiais e/ou culturais.

Não sei se noutra dimensão os mistérios serão desvendados, mas, enquanto não nos unirmos, novamente, se isso for possível, tentarei compreender essa convivência prazerosa e fugaz como uma preparação para o reencontro mais duradouro segundo nossos merecimentos espirituais.

ESCREVO TEXTOS FICCIONAIS. POR QUÊ?

Há algum tempo fui questionado sobre meu entusiasmo por escrever textos de ficção. Sinceramente não sei a melhor resposta. Tampouco desejo discutir essa questão de somenos importância. Talvez seja uma forma de eu fugir do mundo real. Sim. Por que não? A crudelíssima realidade a mídia fornece a todos.

Cada vez mais nebulosos e cinzentos, os noticiosos servem, antes de informar, amedrontar, apavorar; para conscientizar as pessoas sobre a escalada da violência crescente e de que é proibido saírem de suas casas a quaisquer horas e em quaisquer dias da semana. Confirmam, sobretudo sem esperança de dias melhores, a perda do direito de ir e vir.

UM POUCO DE FICÇÃO MASCARA A REALIDADE E NÁO FAZ MAL

Tenho uma doce amiga professora que carinhosamente me trata por “poeta”. Outra que se diz fã dos meus insossos textos, mas não se comunica como eu gostaria, apelidou-me de “professor”. Uma terceira senhora, também casada, segredou-me ao ouvido: “Você me inspira lealdade e discrição. Por isso a você me entreguei sem impor condição”.

Analu, extremamente desidiosa, se comunica comigo apenas em sonhos e nessas ocasiões, amiudando os olhos negros e ajeitando os cabelos perfumados, longos, lisos, depois de uma magistral felação sibila: “Já era... O doce amargo que eu sorvo vespertino”. Detalhe: Ao dizer isso não se referia ao hábito, que não tem, de sorver chimarrão.

Essa senhora mulher-moça é especialíssima não somente porque tem uma certa maneira especial de ver e fazer as coisas, senão, também, uma impossibilidade de as enxergar de qualquer outro modo. Ou é do jeito dela – pagando muito bem pelos seus serviços prestados – ou não haverá facilidades para outras euforias. Ah! Essa deliciosa mercenária Analu sabe valorizar seus encantos e não a recrimino por isso. Quem ousaria?

EXPLICO O PORQUÊ DAS MINHAS CRÔNICAS E CONTOS

A verdade é que meus notáveis leitores e leitoras provavelmente não sabem que sem querer, pelas medonhas e sofridas condenações, identifico-me com o saudoso poeta Gregório de Matos. Como se sabe, pelos estudos bibliográficos, Gregório de Matos Guerra, alcunhado de “Boca do Inferno” ou “Boca de Brasa”, foi um advogado e poeta do Brasil colônia.

Oh! Glória! Seria eu a reencarnação de tão nobre soteropolitano, extremamente crítico e que, às vezes, escrevia poemas eróticos? Não sei. Quem saberá?

Creio existirem coincidências na formação cultural, no estilo escritural, personalidade e caráter, pois tenho mesmo essa recalcitrância e atrevimento bestiais mesmo sabendo serem inúteis minhas súplicas, meus gritos por momentos de felicidade, em forma de escritos ficcionais.

Meus gritos e lamentos são sempre abafados pelos sussurros dos hipócritas, que se transmudam em moucos, aleivosos, cretinos sem iguais; que se trancam em suas criptas sob os mantos coloridos ou se comportam tais quais virgens vestais, mas, já há muito tempo maculadas pelas nódoas socioeconômicas e/ou apenas situações sociais.

Então é isso. Escrevo ficção para fugir da realidade destrutiva dos meus ideais! Às vezes, sinto-me tão só que me imagino no meio de uma multidão para mascarar meu abandono. Mas, também, quase sempre, ocorre o contrário, isto é, imagino-me num local ermo, onde além da minha solidão não pulsante como uma vida sem vida, só há um vazio medonho, negro como o azeviche, úmido como um mangue malcheiroso, com odor nauseabundo pela putrefação das árvores excessivamente umedecidas.

CONCLUSÃO

E nesse local, onde me encontro abandonado, o frio é intenso e a umidade excedente não basta para mitigar minha sede. Analu, Luzia, Jussara, Ione e dezenas de centenas de outras conspícuas supostas fãs não estão por perto para aliviar minha tensão provocada pelo excesso de libido.

Como bem sabemos, no âmbito da psicologia, a libido é fundamental para entender o comportamento humano, porque o condiciona e é vista como a energia que direciona os instintos vitais. É energia aproveitável para os instintos de vida, mas, infelizmente sinto que pelos poros de minha pele exsudam em forma de gotas o testosterona estupidamente não aproveitado (desperdiçado).

Minha solidão e o silêncio do local estreito, escuro e úmido de minha atual estada assemelham-se a um lamento plangente em uma catacumba, porque competem com sonhos coloridos ansiados também em um sepulcro fétido e desconfortável. Escrevo sobre a ironia dessa solidão.

Esse nefasto excesso de privacidade, nessas circunstâncias, não me faz bem. Escrevo sobre as tentativas fracassadas e ingênuas em busca de calor humano, companheirismo, prazer, mas, só encontro incompreensão e indiferença.

As completas aparências físicas de minhas incontáveis amigas são de tal beleza que não deixam possibilidades para quaisquer homens admirarem as partes isoladas. Mas, nelas reside uma feiura: minhas supracitadas amigas fizeram-me sentir único, inteligente, especial!

Culpando suas inseguranças e ressentimentos por erros pretéritos, de alguém, ignoram minhas necessidades e anseios prementes. E aí? Haverei de ser hipócrita e agir como se não me importasse com suas maldosas indiferenças? Por não ter essa certeza não farei isso. No entanto, há muito tempo aprendi que a hipocrisia se digladia com a luxúria (um dos sete pecados capitais) latente em todo ser humano íntegro e saudável de espírito, corpo e alma.

Às vezes, penso que meu castigo ou provação por ser um assumido escravocrata dos prazeres carnais é pensar que estou vivo, sou querido, útil e necessário, mas, a verdade é crudelíssima: Há muito tempo estou flanando, isto é, andando ociosamente, sem rumo nem sentido certo porque perdi a memória e/ou desencarnei.