Uma reza da morte
Num domingo, houve um encontro de família, mas só com os Sousas mais próximo – como se meu pai ainda existisse meus tios me convidaram. Foi assim que meu primo Ricardo, a quem eu não via desde a infância, disse-me que nosso avô Zeba (Que Deus o tenha na Santa Paz!) tinha sido um grande rezador da região.
— Desses que faziam chuva passar? E se fosse na seca... fazia também chover?!
— Sim. Era capaz de fazer a roça dele minar água em plena seca. Ele tinha uma reza forte! Inclusive, tinha um livrinho escondido em seu baú e que só foi de conhecimento da família por ocasião da morte dele.
Ricardo não tirou os olhos de mim, nem mesmo quando eu tive que dar um pouco de atenção a seu pai, após o almoço. Mas tão logo me sentei perto da janela, com uma vista para o riacho, ele reiniciou o mesmo assunto; perguntei-lhe, então se ele (mais velho que eu uns dez anos) já houvera presenciado alguma das rezas de nosso avô. Ao que ele me puxou para um canto da varanda e, contou-me este fato, quase suspirando.
— Vovó sofria já há uma semana e, segundo meu pai e nossos tios (inclusive seu pai, que ainda era vivo na época), alguma coisa o retinha, impedindo-o de morrer. Tia Maria chorava pelos cantos da casa e, cuidava das coisas dele numa espécie de limpeza e ordem. Foi assim que ela descobriu o livro de rezas. Todos ficaram espantados, curiosos até. Papai, que era um pouco mais conhecedor das orações de vovô Zeba, cuidou logo de pegar o livro e folheá-lo. Não tendo coragem de lê-lo, mas desconfiado de que nosso avô devia ter ali umas rezas poderosas, pediu que um dos irmãos o lesse explicando (e bem acreditado) que devia ter uma das rezas que seria a de oração dele de toda noite. Ora, essa reza era que devia estar fazendo nosso avô sofrer no leito morte.
— Jura? — Eu perguntei sobressaltado.
— Você já notou que todos me têm uma atenção especial quando faço a oração antes das refeições? Pois sim, eu é que li a reza de morte de vovô. Ou ao menos, ao concluir a leitura de todo o livro, conforme me pediram, o velho fixou os olhos no teto e não se moveu mais. Não vendo outra atitude a tomar, fechei-lhes os olhos e chorei ali como se o houvesse livrado de um grande fardo, ou quem sabe porque, na ocasião, eu tive medo de vir a ser o próximo rezador da família.
— E você o é?
Momento algum na infância eu teria visto uns olhos mais enigmáticos para segredos; pois grandes e esquivos sorriram e fugiram dos meus, se ao menos eu pudesse ter ficado mais dias no interior teria sabido mais da vida de meu primo Ricardo e de suas conversas intrigantes sobre nossa família...