O Dedo de Deus
Daquela moçada toda do tio-avô Arthur, primos em primeiro grau de mamãe Zezé, a mais remota lembrança que me vem é justamente a do. Zezé. Que vi uma única vez na vida, e cuja desaparição foi a mais dorida.
Zezé, o moço viera de Divinópolis para Belo Horizonte juntamente com seu irmão inseparável João, para entrarem para a Força Aérea. Esperaçados e empolgados, queriam criar a linhagem de Charles Lindberg, e a linguagem de Saint Exupéry na família dos Freitas. João, contudo, regressou ao torrão natal, dando prioridade à constituição de uma família. E foi Zezé que carregou a tocha icárica.
Numa rara visita nossa - as visitas eram para as consultas junto ao INPS, ou alguma operação adveniente - fomos acolhidos por tio Alfredo, irmão de tio Arthur, no Bairro São Geraldo, rua Moju. Arthur era empregado ferroviário da RMV em Divinópois e tio Alfredo, o caçula duma irmandade interminável, e mais atirado, chegara a maquinista da Central do Brasil, condutor do Veracruz, que fazia BH-Rio-BH noite-adentro e noite-afora.
E foi na casa de tio Alfredo, onde se hospedava o Zezé, foi que o vi de saída naquela quase madrugada, em seu macacão azul-marinho, rumo à sua faina de instrução para ser piloto. Àquela figura imponente, e apressada, em cujas pernas, impressionados, tentamos nos agarrar, em sinal de deslumbramento, lembro que chamamos de gigante. E o ano podia bem ser 1956, ou 1957.
O fato é que o Zezé se formara, com empolgação e em flying colors, e passou a ser a referência e reverência do clã Freitas. Giant!
E continuou na memória, em nossos corações e mentes, mesmo após aquela fatídica notícia do choque na região do Pico da Bandeira, uns poucos anos depois. Espalhou-se até a noção de que ao pressentir a inevitabilidade do choque, Zezé teria coberto os olhos com a mão.
Mano Beu, enquanto da Força Aérea, porém mais terrestre, décadas depois do acidente, nas suas incansáveis e incontáveis andanças, viu escombros que seriam da aeronave. Assim como viu, imponente, com os olhos seus, o Dedo de Deus...