O moço de Dores
Tratam-no por Cacau. E ele trata das plantas envasadas aqui do décimo andar. Que são duas apenas. A comigo-ninguém-pode então tá uma beleza de vigor, quase a requerer transplante prum vaso ainda maior, ou uma poda de regra. Mas nela, ele nem toca. Diz que é veneno do brabo, mas protege, de cabo a rabo.
Cacau podia bem ser Café, por matinais e quase diárias as suas andanças aqui pelo décimo, regador à mão e respostas obsequiosas e monossilábicas a alguma indagação. Do pouco que fala de si, diz que é de Dores do Indaiá, cidade a uns 200 km de Beagá. É terceirizado, e dos mais duráveis, em meio à rotineira troca de auxilares de serviços gerais. Nunca pergunta nada.
Acima daqui, há o terraço, disposto em dois planos, com o antigo heliporto ao centro. Usado no tempo em que José Alencar reinava, e se preparava para ser Vice-Presidente, converteu-se num requintado e requentado mirante. Gradeado e agora, parabolizado. Além do pára-raios que fica numa borda.
Nas gretas e eventuais depressões para a implantação de cabos e canos de escoamento, a manifestação prodigiosa da vida: plantinhas que não semeadas, insistem em germinar, a partir do nada. Talvez, originárias de algum resíduo fecal de aves, ou de anjos, que por essas alturas transitam.
E Cacau, quando as descobre, compraz-se em eliminá-las, sem a consideração que devota às comigo-ninguém-pode. Seu sucesso, contudo, é parcial. As raízes, renitentes, voltam a germinar, aparentemente até com a umidade urinal.
Mas o Cacau sempre volta.