Nem me confessei...
Meu primeiro chefe em Varsóvia, onde servi de 1980 a 1985, foi o Embaixador José Osvaldo Meira Penna, falecido há pouco menos de um ano, após completar um centenário de existência. Meira Penna, como era referido, e como o pude ter conhecido, foi um homem íntegro, ético, cioso de sua fé cristã e de sua profunda intelectualidade, que o levou a ser autor de umas duas dezenas de obras reflexivas, mormente relacionadas ao estudo da psiqué do Brasil. Escreveu também artigos para muitas publicações, entre as quais, colunas regulares para o Jornal do Brasil. Sua carreira diplomática foi muito bem sucedida, com chefia de missões ainda em Oslo, Quito, Tel-Aviv e uma Subsecretaria Geral no Itamaraty, entre outras.
Disciplinado e bem articulado, fazia questão absoluta, mesmo sem o proclamar, de pelo menos uma vez ao dia, enviar uma comunicação substantiva e interpretativa para a Secretaria de Estado. Tratava a todos com urbanidade e equanimidade. Por divergência de pensamento na condução da política externa - foi crítico acerbo de empréstimos à Polônia, que redundaram no episódio das "polonetas" - antecipou sua aposentadoria e retornou ao Brasil para se dedicar à laboração de sua doutrina e a atividades acadêmicas.
Nosso convívio na Embaixada, plutôt protocolaire, não foi além de dez meses. Duas passagens animam-me a relembrar sua figura carismática, arredando um pouco da intelectualidade que lhe porejava a face e a expressão:
Ao cabo de um jantar na Residência, em meio ao frio quase siberiano, ao nos despedirmos, Lina e eu, do casal - Meira Penna e Dorothy - o Embaixador tocou-me a lapela do casaco que eu usava e perguntou pela sua procedência. Respondi-lhe que o havia comprado no único megamagazim do centro da cidade que, normalmente, pelo escasso suprimento, não animava muito a visitas. E ele rebateu que lá estivera também, sem sucesso porém, achando os poucos modelos por demais exagerados para o seu físico. Quase que me jactando, dei-lhe a receita:
sessão infantil...
Numa outra oportunidade, Sua Excelência incumbiu-me de substituí-lo numa ida protocolar ao aeroporto de Varsóvia para saudar o Cardeal Paulo Arns que por lá transitaria, por um par de horas enquanto aguarda va a conexão para a cidade de Opole, onde visitaria um Prelado amigo.
Meira Penna, católico militante, e ferrenho adversário do comunismo, não me deu a razão de sua auto-dispensa e de minha súbita inclusão naquela elevada esfera.
E a partir dali, por coincidência, dever do ofício, ou qualquer outro desígnio, apertei mãos, e pude até privar de conversação com eminentes personalidades como Marta Suplicy, Eduardo Suplicy, a Rainha Elizabeth do Reino Unido, Ronaldo Nazário, Gilberto Gil, Paulo Maluf, Paulo Souto, Íris Resende, Luiz Vianna, Prisco Vianna, João Havelange, Presidente Suharto, da Indonésia, Celso Amorim, Francisco Rezek e, em nem um caso vem-se à lembrança tanta emoção e admiração como as que experimentei no breve colóquio com Dom Paulo. E lhes confesso que apesar do tempo que com ele passei, nem me confessei...