A cabeça de Malu

Ele seguia andando pelas ruas escuras e geladas(à noite é fria na cidade,apesar de ter um sol escaldante em sua rotina diária-um clima de deserto) de Feira de Santana-conhecida como a Princesa do Sertão-, na região conhecida por Estação Nova (Feirinha);estava bastante nervoso.Tinha a brasa do cigarro barato,que levava entre o dedo indicador e o médio,de lanterna.Passou por lúdicas prostitutas juvenis(fruto de um país que não se importa com sua juventude,nem com a ascensão vertiginosa do sexo pago,ou com o crescimento da pedofilia).Era uma cena dantesca,mas tinha o seu lado poético,de uma estória noturna, sinistra,algo assim,bem sombrio(uma narração digna de mais um dos escritos da mente doentia de um tal Leônidas Grego,intitulado pelo autor Júlio Fenegon, como o Mago dos Contos de Terror-o escritor que se diz inspirado pelos fantasmas que o acompanham e o inspiram contando sombrias estórias).Muitas lhes ofereceram os corpinhos juvenis,pequenos e magros ,de fome,ou pelo consumo de Crack-a droga que escraviza e mata rápido.O crack é uma droga resultada da mistura de cocaína, ainda em pasta, sem o refino e misturado com bicarbonato de sódio. Pequenas pedras tem o seu formato providencial, e pode ser até cinco vezes mais potente que a cocaína. A droga foi criada intencionalmente para alterar o estado mental do usuário,e pelo jeito,também os levar à ruína. A denominação CRACK...Sempre me perguntava o por que de tal denominação. Surgiu do som que faz quando está sendo consumido,com a brasa do isqueiro.

-Por dez Reais posso te fazer bem feliz.-Disse uma das meninas.Tinha um batom vermelho nos lábios finos.Exibia dentes amarelos,pela nicotina dos cigarros consumidos a cada cinco minutos.Não pesava mais de 45 kg,se quer devia ter 1,50 m de altura.Vestia-se com uma saia de tecido preto,calçava uma bota de fazenda,bico fino( a preferida das prostitutas das grandes cidades).Tinha os braços curtos,pernas finas.Rosto pequeno.Ostentava uma farta cabeleira ruiva,ondulada.

-Meu Deus,em que mundo estamos?O que está acontecendo com a juventude desse país?-Ele seguiu abrindo o grupo de meninas em dois .Passava pelo meio,com passos firmes,nervosos.Elas se afastavam,prudentes para que não as arrastassem,com violência.Exibia em seu rosto um sorriso silencioso.Sonhava em ser um escultor famoso.Dedicava-se com fervorosa paixão.Fazia bustos com as mais diversas técnicas.Seguia da argila aos metais,e até mesmo a madeira.Gostava de atuar no mercado do teatro infantil-era assim que sobrevivia-fazendo espetáculos infantis para as crianças nas escolas.A frase que mais pronunciava,por onde chegava:" eu sou escultor... em seguida cumprimentava as pessoas, ou o visitado dizendo o seu nome."

Chegou em casa e abriu a porta da frente.Subiu as escadas,sem pressa.Deixou que a luz da lua entrasse primeiro,antes de acender a lâmpada artificial do ambiente.Tirou o casaco negro,de couro.Passou uma das mãos por sobre os cabelos,em desalinho.Soltou um sopro de respiração nervosa,e de alívio emocional e físico.

Tirou o cinto escuro, de couro.O suor lhe escorria pelo cenho.O coração palpitava.Sentia-se cansado,exausto.Sentou-se,de forma abrupta na poltrona encardida da sala que ficava de frente à televisão antiga,bastante danificada,empoeirada.Figou aliviado,sentia-se mais protegido.Não tinha fome,apenas um pouco de sede.A respiração estava ofegante.Ouviu ao longe o ronco de motor de um carro ,junto à sirene barulhenta da polícia.As mãos estavam trêmulas,tinha as pernas bambas.O silêncio retornou.Foi total.Ficou mais tranquilo.

"Eles vão retornar. Sempre fazem isso.Passam,depois retornam.O carro com o motor roncando e a maldita sirene anunciando que alguém vai preso,ou vai morrer."Ele desejava ardentemente,que não voltasse.A polícia em bairro pobre nunca é um bom presságio.O tráfico de drogas está pelas ruas,vielas.Assaltantes se escondem nas esquinas,ficam à espreita.Olhou no relógio que ficava na parede:12 h.Meia-noite.

"Eu não resisto.Eu vou até à geladeira..."disse num timbre de voz embargado-como falasse para outra pessoa,mas era um solilóquio empardecido,sem vergonha." O desejo incontrolável de ir até à cozinha e abrir a porta da geladeira..."

O relógio anunciava numa melódia sombria,com badaladas sonoras o firmar-se da meia-noite.Ele abriu a porta da geladeira,de forma vagorosa,tenso.

"Está perfeita.Linda..."-Disse ao ter nas mãos a cabeça de Malu.O batom vermelho permanecia desenhado nos lábios firmes,carnudos.Permaneciam entre-abertos,como se aguardassem o próximo beijo.Os olhos estavam semi-cerrados..

" A sua pele conserva o último bronzeado...adquirido na última praia daquele longo feriado..."

Retirou a cabeça de Malu do freezer e a colocou em cima da mesa,e ficou por longo tempo admirando os contornos das linhas do seu rosto.

"Eu te amo."

Falou assim,quase sussurrando.Tinha uma das mãos em seu rosto.Conservava uma expressão doentia em sua face.Suava.

"Eu não estou ficando louco,é sério.Eu te amo."

Repetia a frase seguidas vezes.Acariciava os cachos da cabeleira.Não ouviu o ronco do carro que parecia aproximar de sua casa.A sirene soava roubando o silêncio da noite.

"Eu te amo."

Dizia assim,de forma compulsiva para a cabeça de Malu.Exibia uma expressão sofredora.Linhas lhes cortavam o cenho.Ergueu a cabeça de Malu com ambas as mãos.Aproximou-a do seu rosto e a beijou na boca.Um longo beijo,bem demorado.

Cinco policiais arrombaram a porta de sua casa,com chutes e berros.estavam bem armados.Pareciam nervosos.Disse um deles:

-Muito bem,mocinho;te pegamos com as mãos na massa,quer dizer,na cabeça.Larga isso na mesa e ponha as mãos na cabeça.Eu sou um policial nervoso e gosto de apertar o gatilho.-O policial apontava uma .40(pistola).Era baixinho,careca e barrigudo.

-Eu não disse que um dia iríamos pegar o desgraçado?Eu não disse?Eu não dizia isso?Desvendamos esse intrincado caso...

Na imprensa o caso ficou conhecido como "A Cabeça de Malu".Um corpo havia aparecido na via pública,na Estação ,mais conhecida como A Feirinha ,ali,onde nos fins de semana a moçada "come água que passarinho não bebe."O corpo da mulher estava completamente perfurado pela a ação de um objeto contundente,perfuro-cortante. O principal suspeito,depois da identificação da vítima,o seu namorado,e colega de montagens teatrais.Era um casal de atores da cidade.Faziam teatro infantil nas escolas,à noite faziam peças eróticas para o público adulto.O corpo fora identificado pela leitura das impressões digitais e por uma longa tatuagem que exibia na região lombar, um escorpião.

A imprensa teve um prato cheio naquele caso.O único jornal da cidade esgotava as edições quando abordava o caso,que sempre tinha uma foto e uma chamada sensacionalista estampada na capa.

" A cabeça de Malu foi encontrada no freezer do suspeito em excelente estado de conservação e ostentando um farto batom vermelho."

-Eu sou um escultor...

A imprensa não lhe dava a devida importância. Exibia uma foto chocante e uma chamada instigante.A família da vítima se recusava a opinar,ou a visitar o preso." Não queremos opinar,ou saber dele...so queremos que a justiça seja feita..."

-Eu sou inocente.Eu sou um escultor...

A cabeça esculpida ficara famosa.A mesma que estivera em suas mãos no momento da prisão.Fora adquirida pelo museu do Louvre,em Paris.Este foi a sua principal obra de arte em toda sua carreira.Como não havia indício da participação de um culpado e as investigações não evoluíram,de forma que o incriminassem,em definitivo,com provas cabais.Restava a imprensa local apontá-lo como culpado( o jornal atravessava um momento financeiro difícil,mas foi salvo pelo caso,vendia milhões de exemplares.A justiça fazia o mesmo( o delegado adquiriu bastante prestígio em sua medíocre carreira).A família da decapitada sofria, e não queria saber de mais nada( curtia os louros em Euros da exibição da cabeça de Malu.A cabeça de Malu saíra de uma simples cidade( a Princesa do Sertão-a cidade de Feira de Santana),e era exibida no museu do Louvre.Ali, estava,e exibindo um farto batom vermelho nos lábios carnudos.Quando a imprensa o procurava ele só lhe dizia uma frase:

-Eu sou apenas um escultor...eu sou inocente...eu juro...

Ninguém acreditava nele. Os presos gritavam e pediam que se calasse-faziam uma algazarra ralando canecas de metal nas grades.Ele se sentava no chão e chorava copiosamente.

LG

Leônidas Grego
Enviado por Leônidas Grego em 19/03/2018
Reeditado em 04/07/2020
Código do texto: T6284066
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