No fundo do poço

Quando Tommy Cantrell entrou no "pub", sua figura maciça causando um pequeno eclipse ao passar pela porta, percebemos que a reunião com o comando de greve não havia terminado de forma satisfatória. Ele estava sisudo, o que não era da sua natureza. Sentou-se à mesa onde eu estava com Mullins, sem nos cumprimentar, e ergueu um dedo para o balcão, invocando a sua garrafa de Newcastle Brown Ale. Só depois da bebida ser colocada à sua frente, e tomar um longo gole, animou-se a falar.

- A greve continua.

Brandon Mullins, ao meu lado, levou as duas mãos à cabeça.

- Não pode ser! Agora batemos no fundo do poço! Literalmente!

Cantrell limpou a boca com as costas da mão.

- Concordo, batemos no fundo do poço. O inverno está chegando, as contas estão se acumulando e a maldita Meg não dá nenhum sinal de que vai negociar.

- A minha mulher vai me deixar e voltar pra casa da mãe... - sussurrou Mullins. - Eu tenho duas crianças pequenas... quanto tempo o comando de greve acha que ainda podemos aguentar?

- O comando de greve já entendeu que não temos como ganhar do governo - Cantrell tornou a encher seu copo de cerveja. - Os policiais continuam fazendo barricadas em torno das minas e os fura-greves estão indo trabalhar, sob escolta. Nós perdemos.

- E, ainda assim, o comando de greve não quer votar o fim da paralisação? - Ponderei, incrédulo.

Cantrell lançou-me um longo e pesaroso olhar.

- Ponha a culpa no Gallagher. Ele insiste que, se não temos como ganhar, devemos vender caro a derrota. Transformar a nossa ruína numa catástrofe tão grande, que derrube o próprio governo Thatcher.

- Não temos como fazer isso - foi a minha vez de sussurrar. - Não conseguimos sequer aprovar uma votação nacional para aprovar a paralisação de todas as minas de carvão... como vamos derrubar o governo da bruxa se o que a maioria quer agora, é terminar a greve e voltar ao trabalho?

- Gallagher - retrucou Cantrell. - Gallagher disse que havia um plano desenvolvido durante a II Guerra Mundial, caso a Inglaterra fosse invadida pelos nazistas... ele quer usar isso, contra a bruxa.

Perante o meu olhar incrédulo, prosseguiu:

- Sei o que deve estar pensando... que Gallagher não é ninguém para ter acesso a segredos militares da II Guerra Mundial. Só que esses segredos são de muito antes do século atual... são do tempo dos druidas.

- Druidas? - Mullins ergueu ambas as sobrancelhas.

- Parece loucura... é algum tipo de encantamento ou bruxaria... para fazer com que o carvão das minas queime até o fim.

- E ele pretende colocar isso em prática, supondo-se que não seja uma piada de mau-gosto? - Questionou Mullins.

- Sim. Todas as minas da Inglaterra queimando sem parar, até que o carvão seja inteiramente consumido.

A visão caótica que me passou pela mente foi tão medonha, que estremeci. A Inglaterra obscurecida por nuvens negras de fumaça brotando dos poços das minas...

- "Que a bruxa queime nos seus próprios pecados", foi o que Gallagher disse - concluiu Cantrell.

Fizemos silêncio, até que Mullins se manifestasse:

- Gallagher parou para pensar que, se queimarmos as minas, não teremos mais no que trabalhar? Que nós e nossos filhos iremos passar fome?

Cantrell aquiesceu.

- O plano de Thatcher é mesmo fechar as minas e comprar carvão no exterior... assim, se livra da nossa influência política. De um jeito ou de outro, estamos condenados.

Inspirei fundo.

- Quer saber... a fogueira é um bom método para se acabar com uma bruxa!

Cantrell sorriu. E, erguendo um dedo para um garçom que passava, solicitou:

- Mais uma rodada!

- [26-02-2018]