a árvore
a primeira vez que vimos aquilo não esquecerei. nós crianças ela uma árvore querendo participar das nossas aulas primárias. eu sabia todos sabiam estava errado. seu lugar não era ali. contra sua vontade tentamos replantar inúmeras vezes mas sempre em vão. sempre saía de lá e voltava para a escola no outro dia. ainda por cima era pontual gostava de sentar no meio atrapalhando a visão de todos que sentavam atrás dela.
porque insistia em algo que só prejudicava todo mundo mais ainda ela? o mais próximo que poderia ficar de nós era no jardim. foi trazida e plantada ali há muito tempo com grande cerimônia. ali era querida e cuidada. sentar sob sua sombra durante o recreio. desenhar corações em seu tronco. quem sabe comer os seus frutos. regar e podar. adubar com esterco seco. ah, no jardim cumpria sua função. no jardim era nossa árvore.
entre nós era inútil e feia e acabou tornando nossas vidas feias. passei a ficar com medo de que sua atitude atraísse mais árvores para nossa sala. já pensou? árvores se achando iguais a nós. que absurdo. árvores querendo estudar e brincar. e ninguém tomava uma providência contra isso.
como não dava pra matar ou expulsar tentamos ignorar. o que foi muito difícil. isso porque além de ser intrometida e de deixar um rastro de folhas amarelas por onde quer que fosse ultimamente tinha inventado de falar. de puxar conversa. não parava enquanto não se desse algum grito seco ordenando que parasse. falava alto. naquele timbre incômodo rachado que só ela poderia ter. teve até um metido a poeta que fez uns versos inspirado por essa situação triste e ridícula. porque mesmo que não quiséssemos ouvir resmungava seus gostos rabugentos. seus costumes estranhos. uma horrível tagarelice de dores de raivas. e era tão fácil livrar-se daquilo. mas a insistência... tem gente que gosta de sofrer. precisava mostrar que existia. provar pros outros que tinha sentimentos.
por fim acabamos nos acostumando. ninguém fez nada porque sabiam que isso ia acontecer. depois de tanto tempo tudo ficou normal. mas não como antes. quem sabe melhor. talvez até mais divertido. agora éramos diferentes. começamos chamar a atenção. matérias no jornal. a escola que tinha uma árvore como aluna. realizaram debates escreveram livros sobre essa nova situação. nossa escola vivia cheia de outros professores. pesquisadores. através de modernos estudos psicológicos buscaram criar um ambiente agradável em sala de aula para a árvore. avaliar seu aprendizado seu relacionamento com as crianças. alguns filósofos questionavam o ser árvore. não haveria uma árvore dentro de cada um de nós ou não seria a árvore no fundo na essência uma criança? era o que perguntavam em seu pedantismo filosofal. antropólogos anunciavam que aquilo era um grande progresso para nossa sociedade e era preciso todo apoio para a pequena escola que abrigava um fato singular. mas que tendia a se tornar uma regra dali a alguns anos.
a primeira vez que aconteceu aquilo não esquecerei. a árvore faltou aula. não demorou e veio um gritando lá de fora. a árvore estava plantada no jardim. interrompemos tudo que fazíamos e fomos até ela. lá estava. nenhuma tagarelice. imóvel. tinha feito tanta questão de ser uma de nós. agora tinha enjoado de sua aventurazinha.
quando vimos a professora já vinha com o machado em mãos e sem hesitar começou a golpear o tronco. observava perplexo porém feliz. depois fomos dispensados da aula daquele dia.
o prefeito veio visitar nossa escola especial. ela estava lá entre nós. sua madeira havia dado belas carteiras e mais uma mesa nova e espaçosa para a professora.
era nossa novamente.