POR VOCÊ EU FAÇO TUDO

Certa feita uma princesa, sabedora do desejo ardente de um pobre súdito por seus delicados pés, decidiu conceder-lhe uma honraria. Mas para isso, ele teria que superar uma série de obstáculos.

Numa noite fria e chuvosa, ordenou aos guardas que sequestrassem o tal apaixonado. Trouxeram-no amarrado e vendado até o palácio. Antes de levá-lo à presença de sua alteza, despiram-no de suas vestes, tornaram a amarrá-lo e amordaçá-lo. Por fim conduziram-no ao salão onde se encontrava a princesa. Assustado e trêmulo, o infeliz viu-se de pronto atirado ao chão bem em frente ao trono de sua tão adorada senhora. Mal podia se mover. Pelo canto dos olhos enxergou o belíssimo par de pés.

Quão belos e delicados! Estavam pousados sobre uma macia almofada de cetim vermelho como o fogo que ardia em suas entranhas.

Ah, que visão divina!!

Que sofrimento atroz! Ter tão próximo de seus lábios aqueles pés celestiais e não poder beijá-los. Pior ainda seria morrer e não mais pudesse vê-los. Morrer sim, pois era de conhecimento de todos a crueldade de sua alteza. Sempre que se sentia entediada, divertia-se fazendo supliciar até a morte um súdito qualquer que estivesse ao alcance de seus fiéis guardas.

Bem ali estava o pobre súdito, atado como um animal, nu, atirado no chão gelado de mármore, frente ao objeto do seu desejo. Do alto do trono a jovem princesa deixava cair sobre seu servo o olhar irônico e cruel. O pobre tremeu de medo.

Quebrando um longo silêncio, a mulher superior sorriu e falou ao prisioneiro:

– Então você é o insolente que ousa desejar meus pés reais?

Todos os presentes desataram a rir.

De todos os lados risadas escancaradas ecoaram. O indefeso homem sentiu-se humilhado em ter seu desejo revelado a todos. Perguntou-se como diabos a princesa soubera de tão protegido segredo?

– Pobre ser. Não sabes que o máximo que podes sonhar é beijar o chão em que piso? Deveria mandar decapitálo a golpes de espada.

O servo tremeu horrorizado. Aquela sentença terrível só era aplicada aos criminosos mais vis. Queria defender-se, explicar-se, mas não podia. A mordaça o impedia de dizer qualquer coisa. Só lhe restava ouvir e esperar pela execução.

– Contudo, resolvi poupá-lo. E mais, conceder-lhe um presente muito valioso. Terás a honra maior de adorar-me os pés. Honra esta nunca concedida a nenhum outro ser vivente – disse a princesa ostentando no belo rosto um sorriso incomum.

O plebeu sentiu-se aliviado em saber que não iria mais ser executado.

– Tirem-lhe a mordaça – ordenou.

Os guardas obedeceram.

– Humilde, diga-me seu nome.

– Ralé, senhora! Ralé, um seu escravo – respondeu o infeliz com olhar agradecido.

– Ralé! Interessante, muito interessante! Escriba – chamou por um dos funcionários. – Determino que a partir deste dia a palavra ralé designe o povinho mais humilde e insignificante deste reino. Que não se sintam humilhados ou aviltados, pois sem essa classe, como poderíamos reinar? Sem seus corpos para pisar, nossa realeza seria diminuída. Portanto, são, sem dúvida, muito importantes.

E a bela princesa desatou a rir, seguida por seus convidados. O pobre Ralé, num misto de alívio e embaraço, não sabia se ria ou por segurança se calava. Tudo o que sabia era que iria ter a chance de tocar aqueles pés divinos.

A soberana fixou seu olhar em Ralé. Ao fundo as gargalhadas da corte ainda ressoavam. A jovem, ofegante, só tinha olhos para o infeliz desafortunado aos seus pés. Sentia uma perversa curiosidade neste jogo. Desejava sentir as carícias prometidas nos olhos apaixonados do escravo, instinto sádico pulsava no seu peito. Seria, sem erro, uma boa chance de fugir do tédio da corte, e quem sabe descobrir uma maneira nova de subjugar seu povo. Quem sabe instituiria esse ritual como uma obrigação aos súditos. Semanalmente ou diariamente, fariam fila em frente ao palácio. Homens, mulheres e até crianças para beijarem seus pés. Sim, seria um momento magistral. Por certo passaria para a história como uma rainha caprichosa e vaidosa. Uma deusa adorada e temida por todos no reino.

Aquele que ousasse recusar, seria executado imediatamente de forma emblemática. Ordenaria que o amarrassem, o atirassem ao chão em frente ao palácio. Milhares de pessoas o apedrejariam e o pisoteariam até a morte. O condenado morreria, assim, não aos pés de sua soberana, mas sob os pés sujos da ralé.

Exaltada pelas imagens que se formavam em sua mente febril, a soberana, aos gritos, ordenou silêncio no recinto:

– Calem-se! Calem-se todos!

Ergueu-se felinamente. Desceu o pequeno lanço de escadas até próximo do corpo de Ralé. Pôs-se a um palmo de seus olhos vidrados, permitindo assim que tivesse ao alcance de um beijo, o par de preciosidades por ele tão desejado.

– Já decidi. Para ter a honra de adorar meus pés, terás que enfrentar três desafios.

Ralé sentiu um aperto no peito.

– O primeiro: serás pisoteato por uma mulher gorda que usará saltos altos e pontiagudos. Você não poderá sequer gemer. Caso contrário, perderá o direito de tocar-me.

Silêncio.

– O segundo: farei tatuar em seu corpo inteiro, inclusive no rosto, o desenho de meus adoráveis pés. O serviço será executado por artista da corte que estará proibido de usar qualquer anestésico.

Expressão de espanto no rosto de toda a plateia.

– O terceiro: irás lamber o chão deste palácio da porta principal até meus aposentos. Ao fim desse castigo, encontrarás ao teu dispor meus encantadores pés.

Ao término da enumeração dos castigos, Ralé, assustado e excitado, perguntou:

– Caso não aceite, o que será feito de mim, alteza?

– Serás expulso do reino e nunca mais verás sua princesa – disse com voz ameaçadora.

Temendo mais isso do que os castigos, Ralé preparou-se para aceitar. Mas antes que o fizesse, a soberana o interrompeu.

– Devo avisá-lo de que ao término deste jogo, terei o direito de decidir o que fazer de sua vida. O que não é nenhuma surpresa, pois como aldeão, sabe bem que todos me pertencem. Mas no seu caso, terei mais cautela ao decidir – terminou a moça em tom irônico e sombrio.

– Apesar do sacrifício e dos riscos de todos os presentes, minha senhora, eu aceito os desafios inteiramente e espero estar à altura de lhe proporcionar um bom divertimento – respondeu decidido o rapaz.

– Assim espero. Quando eu me entedio, fico de humor péssimo, logo, se esforce – ameaçou-o.

Obedecendo a um aceno de cabeça da princesa, os guardas desamarraram o prisioneiro. Um outro grupo de guardas invadiu o salão trazendo uma prancha de madeira de cerca de dois metros quadrados. Colocaram-na bem no meio do recinto. Os convidados alinharam-se à volta da prancha buscando um melhor posicionamento para assistir ao início do castigo. Ralé sem entender o que estava acontecendo, apenas olhava a movimentação. A princesa assistia a tudo com interesse. Ora olhava para ele, ora para a prancha. Não escondia sua excitação com todo aquele movimento.

Um ruidoso burburinho tomou conta do local. O som das vozes aumentava cada vez mais. Os guardas cercaram Ralé. Seguram-no pelos braços, conduzindo-o até a prancha colocada no chão. Fizeram-no deitar-se sobre ela. Com fortes correias de couro amarraram suas pernas, braços, cintura, peito e a cabeça.

Totalmente imobilizado, o desgraçado sentia-se indefeso, desprotegido em sua nudez. Tudo pronto. A multidão se acercou dele. Apenas uma abertura em meio a ela permitia à princesa, do alto de seu trono, assistir à cena.

– Façam entrar a gorducha – ordenou a soberana desatando a rir.

As pessoas afastaram-se afobadas. Lentamente o som do salto do sapato de quem iria lhe torturar ia aumentando. Ralé tentava vê-la, mas não conseguia. Só a viu, quando sua figura gigantesca encheu sua visão. A mulher o olhou como se visse um inseto minúsculo aos seus pés.

Ralé temeu por sua vida. Não imaginara que a mulher fosse tão grande. Em verdade nem tinha visto pessoa como aquela em toda sua vida.

Quando a mulher ergueu a saia, revelou um par de pernas que mais pareciam troncos de árvore, imensas, grossas, poderosas. Os sapatos eram descomunais. Neles, os pés gordos, largos, de dedos ameaçadores, pareciam querer rasgar o couro sujo e gasto. A mulher se pôs ao lado daquele homem que, aterrorizado, com os olhos esbugalhados, suava frio. A enorme mulher ergueu a pata elefantina até certa altura. Em seguida, desceu sobre o peito de Ralé que, indefeso, cerrou os olhos com medo.

O peso do pé sobre ele parecia esmagá-lo. Desesperado, abriu os olhos suplicando por clemência à soberana que assistia com um pequeno sorriso e olhar irônico. Ela, percebendo o medo de Ralé, determinou uma pausa para, em seguida, com um aceno de mão, ordenar que o castigo tivesse continuidade.

Pobre Ralé!

Incontinenti, a mulher comprimiu o pé com força como se esmagasse um inseto sob a sola do sapato. Ralé estremeceu de dor, mas aguentou sem emitir som algum. Com os dentes podres, enfeiando ainda mais seu rosto inchado, a mulher zombou do sofrimento do pobre rapaz. Com a ajuda dos guardas, ela subiu com os dois pés sobre a vítima.

Como estava completamente imobilizado, ele não pode se mover sob a massa disforme de carne e gordura que tentava se equilibrar sobre ele. Os pés dela eram tão grandes que cobriam quase todo o seu peito. O supliciado mal podia respirar. Arfava desesperado em busca de ar, mas aguentou com valentia. Um tanto decepcionada com a resistência de sua vítima, ela começou a pisar em seu rosto avermelhado e já completamente disforme.

Ele resistiu. Passou então a mulher a pisar em seus órgãos genitais. Esmagou o pênis de encontro ao estômago. Procurou com a ponta dos sapatos pelas bolas e as pisoteou. Nada. Ralé resistia a tudo sem gemer, embora sentisse dores lancinantes.

A princesa e seus convidados silenciaram frente à coragem daquele servo. Apesar disso, aquela cena medonha estava longe de saciar os desejos sádicos da soberana. Ao contrário, aquilo só aumentava sua curiosidade.

Até onde iria a resistência daquele homem? Mas, em verdade, o que a instigava era saber até que ponto iria a adoração de seu servo por ela.

Com o corpo coberto de marcas vermelhas feitas pelos saltos que espetavam sua carne como um punhal, Ralé estava no limite de suas forças. A mulher gorda espumava de raiva por não ter conseguido derrotá-lo.

Ela suava por causa do esforço. Depois de alguns minutos, todos os presentes concordaram que o castigo já era suficiente. A princesa também concordou, mas demorou um pouco a dar a ordem de cessar aquilo tudo.

– Já chega! Ele passou no primeiro teste. Desça de cima do capacho, Melina. Você fracassou. Volte para a cozinha, ou melhor, vá para a estrebaria onde será chicoteada por seu fracasso. Vá, criatura inútil e miserável!!

Melina baixou envergonhada a cabeça e, antes de descer, deu uma última pisada em seu capacho vivo. Todos riram de sua atitude. Ela retirou-se sob as risadas escancaradas dos assistentes.

Ralé tinha o corpo todo marcado. De alguns ferimentos escorriam filetes de sangue. Não gemera uma única vez. Resistira ao castigo com a valentia de um nobre cavaleiro cruzado. A princesa, admirada com sua coragem, levantou-se e foi até próximo dele. Olhou-o nos olhos e sorriu.

Sem dizer-lhe uma palavra, voltou-se para os guardas e ordenou que o soltassem, o conduzissem à sala de banhos e cuidassem de seus ferimentos. Em seguida, o entregassem ao artista tatuador, mas que este não iniciasse o trabalho sem sua presença.

Os guardas, obedientes às ordens, a atenderam prontamente. Ralé, aliviado, respirou fundo e sorriu sozinho. Gostara do olhar de admiração que a princesa lhe dera.

Um dos convidados para aquele espetáculo de horror aproximou-se do trono, fez uma mesura, aguardou pela permissão de sua alteza e falou-lhe ao ouvido. Perguntou em voz baixa, quase sussurrada:

– Sua alteza permitiria que assistíssemos à cerimônia de tatuagem?

– Não! – respondeu, olhando-o com certo desprezo.

O homem afastou-se imediatamente sem nada dizer.

Assim que Ralé foi retirado do recinto, a princesa levantou-se e, decidida, atravessou o salão em meio a dezenas de cabeças inclinadas e servis. Não se dignou a olhar para ninguém. Retirou-se para seus aposentos, escoltada por seus leais guardas. Atrás de si as portas foram rapidamente fechadas, deixando todos entregues à curiosidade e aos mexericos.

Ralé fora levado para a sala de banhos. Mergulhado em água morna e banhado com ervas medicinais, ali permaneceu por vários minutos. Escravas massagearam seu corpo dolorido e um médico veio examiná-lo.

– Está tudo bem! Diga à princesa que o homem pode continuar a ser castigado sem maiores problemas – garantiu o doutor.

Foi-lhe então concedido uns momentos de descanso, não muito, mas o bastante para pensar na loucura que estava fazendo. Pensou em desistir de tudo e fugir, mas uma força maior que o medo o fez ficar: o desejo. Em verdade, Ralé sentira prazer com tudo o que acontecera nas últimas horas. Divagava quando a porta do quarto foi aberta repentinamente.

Guardas entraram e tomaram-no literalmente nos braços e levaram-no para um lugar desconhecido. Atravessaram corredores longos e mal iluminados. Diante de uma porta toda trabalhada em metal, eles se detiveram. Um dos guardas bateu na porta. Imediatamente, como se alguém já esperasse por eles, a porta se abriu. Ralé foi conduzido para o interior de uma sala ampla.

A luz que se espalhava por todo o recinto, vinha de chamas que ardiam em piras de bronze. Estava quente ali dentro. Ralé foi deixado sobre uma mesa de madeira muito grande e perto de algumas tochas. Não demorou muito e um homem, já de idade, entrou com passos ligeiros e curtos. Aproximou-se e disse:

– Muito bem! É você o escolhido para esta obra inédita? Bom! Você tem a pele clara e isto é muito bom. As cores ficarão mais nítidas – disse o homem com olhar estranho, demonstrando nitidamente estar bastante interessado no trabalho a ser executado. – Sua alteza ordenou que tivesse muito esmero na execução da obra.

Notando o temor nos olhos da cobaia, o velho artista tratou de acalmá-lo:

– Não se preocupe. Por certo há de doer, mas a honra que lhe está sendo concedida supera qualquer sofrimento.

Ralé não respondeu. Apenas olhou para o velho, confiante. Relaxou e entregou-se nas mãos hábeis do artista.

O velho tatuador pôs-se então a preparar as tintas. Após algum tempo, a porta se abriu e sua alteza entrou com a altivez de sempre. Vinha emprestar seus delicados pés para servirem de modelo.

O velho inclinou a cabeça em sinal de respeito. Ralé saltou da mesa para o chão e colou o rosto no frio piso de pedra. Sua alteza com um gesto sutil dispensou-o das demonstrações de submissão.

– Pois bem! Aqui estou. Vamos ao trabalho – disse secamente.

– Alteza, não vou tomar o seu precioso tempo. Desejo apenas tirar um molde de seus lindos pés para usar como modelo em meu trabalho. Prometo que serei breve – garantiu o velho.

Imediatamente um assistente trouxe-lhe o material necessário e ele pôs-se a trabalhar. Desenhou, nos mínimos detalhes, as solas dos pés da princesa. Ao término do serviço, não contendo sua emoção diante de tanta beleza, o ancião tentou beijar os pés de sua alteza, a qual de pronto o impediu, chutando-o com violência.

– Só não mando executá-lo porque seus préstimos são ainda necessários. O máximo que podes esperar de mim é que lhe cuspa na cara, seu velho imundo.

Disse e cuspiu no rosto do artista que, de mãos juntas, implorava perdão.

– Volte ao trabalho ou o mando para o calabouço.

Em seguida deu-lhes as costas e saiu sem olhar para o assustado Ralé que, em silêncio, a tudo assistia.

Após o incidente, o velho com os olhos lacrimejando, recompôs-se e começou a trabalhar no corpo do servo.

Foram dois dias e duas noites de trabalho árduo. Realmente árduo, principalmente para Ralé. Sua pele foi perfurada dos pés à cabeça. Seu cabelo foi raspado. Sua genitália também. Por todo seu corpo, foram desenhados, de todas as formas e ângulos possíveis, os pés mais lindos do mundo. O pé direito de sua alteza mascarava seu rosto.

O desenho cobria-lhe toda a face. Sobre a boca o calcanhar, sobre o nariz o arco bem feito, sobre os olhos os dedinhos delicados e perfeitos. No topo da cabeça, o pé parecia esmagar seu crânio lembrando-o de que seus pensamentos deviam ser totalmente voltados para sua senhora. No pescoço, um dos pés lhe lembrava que sua vida estava sempre nas mãos da princesa.

No peito, bem em cima do coração, outro pé esmagava seus sentimentos. O mais interessante de todos era o que ficava na genitália. A tatuagem parecia incompleta. Em verdade esse desenho só estava completo quando o pênis do servo estivesse ereto. Esse efeito era uma lembrança do velho para a princesa. Para se ver o trabalho completo Ralé precisava ser excitado.

O que não era difícil se isso fosse mesmo feito pela princesa.

Por todo o resto do corpo dezenas de desenhos dos pés da soberana se espalharam. Era como se eles estivessem dançando sobre um tapete vivo. Durante os dias que durou o serviço, a soberana não foi ver o andamento das coisas. Queria reservar o prazer da surpresa para o dia certo. Neste dia convocaria toda a corte para testemunhar sua vaidade tomar vida e forma no corpo de um homem inteiramente devotado a servi-la sem reservas. Este seria o dia de sua vaidade, o mesmo dia de glória para Ralé, o humilde aldeão que dali em diante carregaria em seu corpo, gravado para sempre, os pés de sua senhora, os pés que tanto amava.

Ao amanhecer do terceiro dia, todos no palácio foram acordados mais cedo, pois uma grande festa seria realizada. Era um dia perfeito. Nada se comemorava até então naquela data. Logo seria o dia ideal, daquele momento em diante, para instituir-se o ritual dos beija-pés.

A princesa acordou exultante. Ansiava por ver o trabalho feito em Ralé, mas conteve-se.

Só o veria ao entardecer. Todas as autoridades da corte foram convidadas, pois não era comum aquele tipo de acontecimento. Durante o dia, preparativos foram feitos para a festa. Ralé foi avisado de que deveria estar com sua alteza às 13 horas. Na hora marcada estava pronto. Usava apenas uma túnica branca que cobria todo seu corpo.

Acompanhado pelos guardas e pelo artista, foi ao encontro da princesa.

Diante dela despiu-se exibindo seu corpo tatuado. A princesa boquiaberta o admirou. Seus olhos brilhavam de vaidade. Certamente era a única mulher no mundo a ter um servo totalmente tatuado com a imagem dos seus pés. Imediatamente ordenou que ele fosse levado em uma carroça para ser exibido por toda a aldeia. Desejava que todos soubessem do feito. Ao afinal da tarde, deveria ser trazido para a festa em que receberia o último dos castigos.

E assim foi feito. Por toda a aldeia e boa parte do reino, as pessoas se aglomeravam para ver o homem que recebera a honra de ter o corpo tatuado com desenhos dos pés da princesa. A família de Ralé sentia-se orgulhosa dele, gritavam seu nome por todos os cantos.

Ele se tornara um herói popular.

Após horas sendo exibido, ele foi levado de volta ao palácio. Logo na entrada já se podia ouvir o burburinho dos convidados à sua espera. Sentia-se cansado, porém orgulhoso. Uma alegria inexplicável tomava conta de seu coração.

Quando entrou no pátio do palácio, a multidão parou para vê-lo. Todos, boquiabertos, admiravam a obra realizada em nome da vaidade de uma mulher. Tudo em nome da beleza de seus pés.

Poetas cantavam as belezas e encantos das mulheres mais lindas, mas nenhuma teve estampado no corpo de um homem, o desenho perfeito de seus pés. E para sempre haveriam de falar sobre isso. Cavaleiros levariam consigo, para o campo de batalha, em vez de um lenço com o perfume da amada, um desenho dos pés da princesa, e por isso haveriam de lutar com ardor.

Ralé foi exibido a todos os convidados. Alguns queriam tocá-lo para se certificarem de que eram verdadeiros os desenhos. Outros se aproveitavam da situação para, excitados, acariciarem aquele homem que pertencia inteiramente à mulher mais poderosa do reino.

Por onde ele passava, as pessoas abriam espaço ou formavam círculos à sua volta. Comentavam sobre a beleza dos desenhos. Alguns mais observadores notavam o desenho supostamente incompleto na genitália. Ralé sentia-se elevado, nas alturas. Nunca em sua vida de pobre aldeão fora alvo de tantas atenções, e tudo isso estava acontecendo por causa do amor e da paixão que nutria pelos pés da princesa.

Do alto de uma varanda, a soberana observava tudo. Sentia-se orgulhosa e envaidecida. Transformara um capricho num acontecimento. De certo, os amantes apaixonados, teriam que redefinir suas formas de expressar suas paixões. Os poetas cantariam seus amores pelos pés das mulheres, ou sempre se lembrariam em suas obras de uma princesa caprichosa que fez um de seus apaixonados ser tatuado com o desenho de seus lindos pés.

Uma nova página do erotismo e da paixão estava sendo escrita naquela tarde.

Lá fora a noite caia sem ser percebida pelos convidados. Nessa hora, Ralé foi conduzido à porta principal do palácio.

Foi-lhe dito que se ajoelhasse.

Uma senhora aproximou-se e disse:

– Que todos saibam: o chão deste palácio foi limpo com as águas mais puras e perfumadas. Sobre ele ninguém pisou durante dias, apenas sua alteza, a princesa, caminhou sobre ele. Assim Ralé, você terá a honra de lamber o chão que sua soberana pisou. Deverá lambê-lo até o aposento de sua alteza. Lá lhe será concedida uma grande honra, jamais concedida a nenhum outro homem. Vá com amor!

Todos ouviram no mais completo silêncio. Ralé, com o coração batendo freneticamente, beijou o chão a sua frente e disse:

– Beijo o chão que uma deusa pisou. Beijo por amor e veneração a uma mulher superior. Que todos os homens sintam inveja desse meu ato e dessa minha honra.

Sem mais, pôs-se a lamber o mármore branco e frio do hall de entrada. A multidão o seguia curiosa. As pessoas se acotovelavam para ver mais próximo o homem que lambia o chão que uma deusa havia pisado. Aquele reles aldeão, por seu amor aos pés de sua princesa, foi alçado à condição do homem mais invejado de todo o reino.

Ralé demonstrava tanto entusiasmo no que fazia que, por pouco, outros homens e mulheres não fizeram o mesmo. Tiveram que ser contidos pelos guardas que tinham ordens expressas de dar ao servo condições plenas de executar aquela tarefa.

Em poucos minutos a língua do homem já estava dolorida de tanto lamber o chão, que para ele, sem dúvida, era sagrado.

O hall era imensidão sem fim. Meia hora depois, por fim o servo chegou ao pé de uma escada, de onde olhou para o alto e mirou sua princesa, linda, olhando para ele com olhar insinuante.

Para estimulá-lo, ela batia o pezinho levemente no chão. Ralé podia ver a pontinha de seus dedinhos despontando para fora da delicada sandália.

Não perdeu mais um minuto. Com frenesi, lambeu todos os degraus até o topo da escadaria. Quando chegou ao alto, ali ela já não estava. Havia ido para seus aposentos no final do corredor. Imediatamente ele se pôs a caminho. No pé da escada, lá embaixo, os guardas, para desgosto dos convidados, impediam que todos subissem para acompanhar o desenrolar dos fatos. Sua alteza queria manter o mistério quanto ao que ocorreria lá dentro.

Ao chegar frente à porta que o separava de sua senhora, Ralé se deteve, olhou para a rica porta e sem bater, abriu-a. Sentada numa enorme poltrona, a princesa o aguardava. A perna direita cruzada sobre a outra pendia balançando o delicado pezinho. Seu rosto estampava um sorriso lindo. Seus lábios entreabriram-se para deixar escapar uma frase:

– Venha, meu escravo! Você merece esse prêmio. Venha para os pés que você ama. Venha! Beije-os – convidou a princesa, de forma sensual.

Ralé, emocionado, e com os olhos úmidos de lágrimas, rastejou lambendo o chão, até chegar aos pés de sua amada soberana. Petrificado por viver aquele momento mágico, ele não conseguiu se mover. Percebendo a dificuldade do servo, a princesa tomou a iniciativa:

– Você chegou até aqui, escravo. Por muito tempo você amou meus pés a distância, portanto você conquistou o direito de adorá-los. E eu estou ansiosa por isto. Desde o início que desejo sentir sua boca apaixonada em meus pés. Houve um instante de silêncio.

– Obedeça, adore meus pés, os pés de sua senhora – ordenou a princesa, descalçando a sandália do pezinho que pendia nervoso.

Ralé não perdeu mais tempo. Cobriu de beijos o objeto de seus sonhos mais íntimos. Ele beijou e beijou demoradamente. Em cada beijo uma emoção intensa era sentida. Os ardentes carinhos de Ralé deixavam hirtas as pernas da princesa. Seu corpo tremia de emoção. Mal podia manter-se sentada.

O escravo agora lambia os pés de forma submissa. Sua língua subia e descia do calcanhar aos dedinhos, sem parar. A pele macia e suave das solas aceitavam as carícias produzidas pela língua doída do apaixonado escravo. A princesa contorcia-se de prazer. Já não tentava mais esconder seus sentimentos. Entregava-se inteiramente aos carinhos desnudos e quase devassos do humilde servo. Humilde, mas conhecedor dessa arte agradável e misteriosa de dar prazer às mulheres.

Ah! Quanto tempo perdido. Se a princesa soubesse destes prazeres há mais tempo.

A bela soberana olhava para o corpo tatuado do homem. A imagem de sua pele recoberta de desenhos de seus pés era um misto de exotismo e beleza nunca antes visto. Não há, em lugar algum, mulher que tenha um homem apaixonado, tão apaixonado que se permitiu tatuar com o objeto de sua paixão. Ela já ouvira falar que as Catarinas Russas tinham a seus serviços eunucos especializados na arte de lamber pés para seu prazer, mas ninguém ouvira falar de que tivessem um totalmente tatuado.

E Ralé estava emocionado com tudo aquilo. Lambeu aqueles pés até a exaustão. Por fim deitou-se aos pés de sua senhora e adormeceu.

Ralé nunca acordou de seu sono. Antes que o dia clareasse, a princesa, ainda excitada e envaidecida com o ritual, ordenou que arrancassem a pele do escravo com cuidado para não danificar os desenhos. A pele de Ralé, devidamente tratada, passou a enfeitar a sala do trono de sua alteza. A mulher mais caprichosa do mundo não queria que o tempo danificasse tão belo trabalho.

Mandou também executar o artista autor de tão bela obra para que não repetisse jamais tal feito.

Contam que a linda princesa viveu até uma idade muito avançada. Em sua velhice passava horas admirando a pele pendurada na parede, em seu quarto...

VERSO E PROSA
Enviado por VERSO E PROSA em 03/02/2018
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