O AVISO DA MORTE

Era ainda cedo. Acabara de tomar café e escovar os dentes. Pôs os óculos, pegou a bengala e o boné e saiu para pagar um boleto no caixa eletrônico de sua agência bancária.

Ao pôr os pés na calçada, sentiu-se tão bem que experimentou deixar a bengala. E viu que podia fazê-lo perfeitamente! Tirou os óculos e enxergou como há trinta e cinco anos, quando ainda não precisava deles. E as cores, como eram lindas e brilhantes! Experimentou aprumar a velha coluna arqueada e, de pronto, ficou perfeitamente ereto. E sem sentir qualquer incômodo. Pera lá! Alguma coisa estava fora da ordem. E um pensamento fez uma estranha sensação percorrer-lhe a espinha em toda a sua extensão: aquilo só podia ser o aviso da morte!

Voltou em casa, pegou todos os boletos a vencerem no mês e saiu de novo à rua. Chegando à agência bancária, passou num terminal e executou os pagamentos. Depois, procurou seu gerente de conta e pediu para somar todos os seus saldos. Conta corrente, poupança, aplicações... Para sua surpresa, os cálculos revelaram um saldo bastante generoso. Mandou que o transferisse inteiro para a conta corrente da esposa.

Saindo do banco, decidiu fazer um périplo em visita aos amigos mais chegados, mesmo que em alguns casos tivesse que ir ao trabalho deles. Estes o recebiam surpresos." Você por aqui? Que milagre é esse?". Ele respondia que estava passando e resolvera cumprimentar, dar um abraço, etc. Alguns até desconfiaram. Mas, enfim, cada louco com sua mania. Visitou bem uns vinte amigos e o único parente (um primo) que morava na cidade.

Voltou para casa à noitinha. A mulher o censurou por sumir o dia inteiro sem dar sinal. Respondeu que estivera muito ocupado, resolvendo umas pendências. Ela retrucou: "Pendências... Que eu saiba, desde que se aposentou você não as tem mais". Durante o jantar, comunicou à mulher que o dinheiro dele, agora, estava todo na conta dela. Era uma boa quantia. E ela: "Por que isso?". A gente nunca sabe. Você é bem mais jovem, trabalha ainda, está com ótima saúde. É provável que eu viaje primeiro... "E o que quer que eu faça com o dinheiro?". Que o divida entre você e o nosso casal de filhos. Você tem seu salário, vai ficar com a pensão... Acho justo que dividamos o dinheiro com eles. E ela, de novo: "Que mané viajar, que mané pensão, homem?". É só uma suposição, mulher. E não preciso mais de dinheiro mesmo. Assim, esse assunto já fica resolvido.

À noite, mais surpresas. Ele a procurou com um ímpeto inacreditável! Fizeram amor como na lua de mel. Ela ficou com a pulga atrás da orelha. E, para piorar, ele perguntou se ela lembrava da Virgínia. "Virgínia, Virgínia...?". Aquela sua amiga que foi morar no exterior. "Ah! Puxa, faz uns quinze anos! Que é que tem a Virgínia?". Bom, vocês eram tão amigas que ela tinha até a chave da nossa casa. "Sim, dei-lhe uma cópia". Pois é... Um dia, eu estava em casa sozinho e fui tomar banho. Quando terminei, saí em trajes de Adão, como sempre faço. Pois não é que a Virgínia estava bem em frente ao banheiro e me flagrou daquele jeito! "E daí?". Daí que ela ficou de olhos e boca arregalados. Me chamou de gostoso, etc., etc. A Virgínia era bonita, você sabe... Aí a gente acabou indo pra cama. "Pra minha cama?". Não, noutro quarto. Mas eu juro que foi um impulso. Foi só aquela vez. Sei que é difícil perdoar, mas espero que você não crucifique a minha memória por isso. "Deixe de bobagem, homem! Tão humano isso. Depois, foi há tanto tempo...". Obrigado, amor. Você é mesmo a melhor mulher do mundo!

Exaustos, em razão do acontecido, ambos se ajeitaram nos lençóis e trataram de dormir. Ele tinha certeza de que esta era a sua última noite. Ficou ainda um pouco a cismar, depois adormeceu.

Mal a luz do novo dia começou a insinuar-se nas frinchas da persiana, ela o acordou de forma brusca: "Então, seu safado! Pensa que eu engoli aquela da Virgínia? Vou ligar para ela hoje mesmo! E você, trate de arrumar sua trouxinha e procurar um lugar para morar! Tem cabimento?". E ele, estupefato: "Gente, mas eu não estou morto?".

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 17/01/2018
Reeditado em 28/03/2018
Código do texto: T6228926
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