Estou com uma sensação boa

A porta do escritório no terceiro piso de um prédio comercial decadente no Harlem não possuía campainha, mas a placa o identificava como o local que ela viera procurar. Decidida, Nasiba bateu com força três vezes. Não precisou esperar muito para ouvir uma voz masculina que vinha de lá de dentro exclamar:

- Já vai!

E num tom cauteloso:

- Polícia?

- Cliente - retrucou Nasiba, perguntando-se onde diabos viera se enfiar.

A porta foi aberta parcialmente por um homem negro de idade indefinida, mas provavelmente beirando os 50 anos, cabelos grisalhos nas têmporas, vestido com um terno cinza-claro, gravata de seda azul-marinho e camisa branca.

- Você deve ser Nasiba al-Shafi... - disse ele, lançando um olhar curioso para o hijab estampado que ela usava sobre os cabelos e ombros. E estendeu-lhe a mão, que ela apertou rapidamente.

- Eu mesma, Sr. Graveson.

- Por favor, entre - convidou-a, abrindo inteiramente a porta.

Nasiba adentrou um pequeno corredor que desembocava numa sala de não mais de 5X5 m, ostentando na lateral esquerda uma porta que conduzia para uma pequena copa com um banheiro ao fundo. Em frente ao corredor de entrada, uma janela de armação de alumínio ocupava quase toda a parede voltada para a rua lá embaixo, coberta parcialmente por cortinas num tom de palha esmaecida, que desciam do teto ao chão. No piso, um carpete cinza, desbotado. Uma escrivaninha junto à parede da copa, com um abajur de pé ao lado, uma cadeira de braços por trás dela e duas cadeiras estofadas à frente, um sofá de três lugares e dois velhos arquivos de aço junto à parede oposta. Sobre a escrivaninha com tampo de vidro, fotografias emolduradas, correspondências abertas, um velho telefone de teclas e um laptop, fechado.

- Não repare a bagunça - desculpou-se Graveson, indicando-lhe uma das duas cadeiras à frente da escrivaninha. Aguardou que ela se instalasse e depois tomou assento. Entrelaçou os dedos sobre a mesa, braços estendidos, e perguntou:

- Está com você?

Nasiba balançou afirmativamente a cabeça. Depois, abriu a bolsa que trouxera e dela retirou um objeto embrulhado numa faixa de linho cru. Estendeu-o com as duas mãos para Graveson, como se fosse uma oferenda. Este o recebeu com não menos reverência. Demorou-se um instante, sopesando o embrulho, e finalmente, começou a desenrolá-lo, revelando uma bela lâmpada a óleo de bronze. O artefato estava escurecido, como se não fosse polido há muito tempo.

- Magnífica! - Exclamou Graveson.

* * *

- Então seu antepassado fez o terceiro pedido ao gênio e o transformou numa sentença cominatória? - Comentou Graveson, deliciado, abrindo e fechando os dedos sobre o tampo de vidro da mesa.

- Se por "cominatória" estiver querendo dizer que a lâmpada deveria aparecer uma vez a cada geração para um de seus descendentes... sim.

- E agora é a sua vez.

- Sim, e por isso vim buscar o seu aconselhamento. Fui informada de que era o melhor neste serviço.

Graveson sorriu modestamente.

- Creio que meus clientes ficam agradecidos por orientá-los a não cair nas armadilhas usuais criadas pelos gênios da lâmpada... como pedir um bilhão de dólares, sem especificar detalhadamente de onde deve vir o dinheiro. Gênios, particularmente aqueles que ficam muitos séculos presos, podem ter um senso de humor bastante perverso.

- Tivemos nossa cota de pedidos estúpidos na família... - reconheceu Nasiba. - Mas estamos em pleno século XXI e gostaria de poder fazer algo de realmente útil... por toda a Humanidade, se possível.

- Louvável, embora o terreno das boas intenções seja usualmente um campo minado. Se pedir a paz mundial, é possível que o gênio a transporte para uma realidade na qual os seres humanos foram extintos.

E, piscando um olho:

- Paz mundial, não é?

- De um modo torto... - ponderou Nasiba. - Mas, sim, conto com a sua expertise para me ajudar a redigir os termos dos meus três pedidos...

Graveson apoiou os cotovelos na mesa, rosto apoiado nas mãos, e a encarou:

- E também concorda que seu terceiro pedido deverá ser feito de modo a me beneficiar?

- É o seu pagamento, não é? Então, sim.

Graveson abriu o laptop.

- Então podemos começar.

- Gostaria de tirar uma dúvida antes... - hesitou ela.

- Fique à vontade.

- Como adquiriu seu conhecimento sobre redação de... pedidos para gênios?

Graveson sorriu.

- Excelente pergunta, Nasiba. Como alguém pode dar orientações confiáveis sobre contratos com gênios?

E antes que ela dissesse alguma coisa, complementou:

- Tendo sido um gênio por milhares de anos, claro!

Nasiba encarou-o por alguns instantes em silêncio. Finalmente, abriu a boca:

- Então, o senhor foi um gênio?

Graveson balançou a cabeça, sorrindo.

- E dos bons. E, um belo dia, topei com um cidadão que se julgava muito esperto e pediu-me uma das três coisas que não são permitidas a um gênio fazer: ter poderes iguais ou superiores aos meus.

- Imagino qual foi a sua resposta... - sorriu Nasiba de volta.

- Você sabe... só há um jeito de atender este pedido: trocando de lugar com o solicitante - prosseguiu Graveson. - Ele se tornou um gênio e automaticamente foi aprisionado na lâmpada onde eu estava... e eu estou aqui, usufruindo minha liberdade.

Nasiba quedou-se pensativa, como que avaliando o próximo passo a dar.

- Talvez devêssemos estudar um modo de chegar à paz mundial... o mundo anda muito perturbado.

- Louvável, muito louvável - aquiesceu Graveson.

- [05-01-2018]