SOLIDÃO MORTAL

Ele acorda e pensa: “Mas o que é isso, que barulheira é essa?” Levanta-se e senta na cama. Zonzo, tenta adivinhar de onde viria tal ruído estridente.

Ficou em pé, orientou-se no escuro e caminhou pelo empoeirado porão na direção...

Tentando descobri-lo, acabou dando uma violenta topada. Coitado, que dor... Foi como uma punhalada no peito; meteu o dedão no pé da velha mesa maciça.

Desequilibrado, agarrado à mesa, derrubou garrafas, copos vazios e caixas de pizzas estragadas que estavam sobre ela. Procurando, ele vê sobre a mesa de canto o responsável por tudo isso: o seu antigo relógio-despertador. Ficou ali pensando sobre o que poderia ter acontecido, pois fazia muito tempo que ele não lhe dava corda: "Será que a corda estava presa e soltou, ou estou ficando maluco? Ele olha para os ponteiros - estão quase apontando para o número 10 do mostrador. Mais uma vez ele fica intrigado: "Será que ele está funcionando?" Ele pega o despertador e escuta: “tic-tac, tic-tac”. "Hum! Será que é da manhã ou da noite?" - pensa.

Para averiguar o período, ele abre a grossa cortina empoeirada e a janela. Que loucura! Entrou um jato de luz tão forte e intenso que imediatamente esquentou o seu corpo esquelético. Nesse instante ele não conseguiu localizar a fonte de tanto calor - o raio de luz havia lhe cegado temporariamente.

Protegendo-se, levou as mãos ao rosto e virou de costas. Continuou sentindo o calor queimando o seu arqueado corpo nu, como que querendo expulsá-lo daquele ambiente mofado. Logo pensou: "Mas, o que é isso? Estou em minha casa. Vou reagir!". Num arroubo de extrema força de vontade, voltou-se para enfrentar a situação. Num impulso, deu dois passos à frente e fechou a velha janela. Vencera... Tudo voltou à normalidade. Aguardando a sua visão se restabelecer, ele pensou no que iria fazer. Foi à cozinha, abriu a garrafa térmica e tomou um gole de café frio, vencido. Argh!! Acendeu uma bituca de cigarro que estava sobre um prato sujo na pia lotada e deu uma profunda tragada. Com ar de felicidade, olhou para cima e soltou uma demorada baforada. "Ah!! Que bom!" - pensou, ao sentir o seu sangue circular.

Em duas ou três tragadas ele chegou ao banheiro. Em frente ao espelho, olhando para a sua imagem esquálida e decrépita, ele fez uma breve reflexão sobre a sua vida.

Conformado, abriu a torneira e jogou um pouco de água ferruginosa sobre a sua cabeça. Ainda se olhando no espelho, enfiou os dedos trêmulos entre os seus desgrenhados cabelos, como que querendo melhorar o seu aspecto. Pensando no que iria fazer, ele vestiu uma velha camiseta encardida que estava sobre a tampa do vaso sanitário. Vagarosamente, ele seguiu para o seu canto preferido: “A FÁBRICA DE FELICIDADES”. Era isso que estava escrito, em letras grandes, num desbotado papelão colado na parede sobre o seu velho computador. Ele sentou na poltrona, ligou a máquina, respirou fundo e esperou o carregamento de dados ser realizado.

Enquanto esperava, ele separou algumas das melhores bitucas que lotavam um píres. Acendeu uma delas e acessou o Word. Abriu um arquivo e selecionou uma pasta. Logo surgiu na tela um texto com o título: ”FELICIDADE TOTAL”. Colocou os seus velhos óculos embaçados e leu um trecho do escrito. Sorrindo, deu uma profunda tragada e jogou a bituca no píres. Como que inspirado, soltou o mouse, esticou os braços, esfregou as mãos e pousou seus dedos trêmulos sobre o teclado. Envolto a uma densa nuvem de fumaça, ele mergulhou fundo em suas lembranças e deu continuidade ao texto:

“...nós. Abraçados, com prazer, olhávamos as nossas lindas crianças. Elas corriam felizes por entre as flores do nosso imenso e lindo jardim...”

Como ele queria, finalmente conseguiu ficar totalmente sozinho, mas nem ele suportou em tanta solidão... Abriu o gás, deitou-se e, definitivamente se abandonou.

FIM

ZIBER
Enviado por ZIBER em 22/08/2007
Reeditado em 25/09/2018
Código do texto: T619323
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.