Inxombramento

Assim como as efemérides pátrias e as santificadas devoções, as chuvas antes seguiam um calendário rígido, predeterminado, quase tanto religiosamente. Quem é que, dali das beiradas do rio Pará, vivente sob o papado de um Pio XII, ou dum João XXIII se lembraria por exemplo de uma festa da Conceição do Pará - celebrada em 08/12 - sem aquele barreiro pra se amassar, ou de um Natal a seco? Só mesmo excepcionalmente.

Sinal da valença das rezas papais? O certo contudo é que pelo menos em boa parte de Gerais a pecação há de ter sido pra mais. E como não nega rogo ou fogo, o Pai ordenou a Pedro o fechamento das torneiras celestiais.

Quem olha hoje pro leito do Pará, outrora tão portentoso e vê aquela pedraria toda circundando um mijico d´água escurecida, abatumada de aguapés, esquece o Egito e acha que as nossas pragas é que foram dez.

Aproximando-se os fins de ano, vista lá na Velha Serrana, a formação das chuvas era coisa bonita demais de se admirar, se prever e se preparar: aquela diáfana cortina branca que se formava na serra dava-nos o tempo exato, sem tretar, para recolher do varal a roupa e a eventual carne a secar, além da lenha pra se queimar.

E como dava pena ouvir da pressagiosa Tibebé que a roupa ainda estava inxombrada, naquele exato estágio em que não dá pra passar nem pra torcer, e, sem lugar pra pendurar...senão só amontoar, enquanto lá fora até o céu se punha, sem munha, a chorar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/11/2017
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