Tantos e Parcos
Bom dia, sejam bem-vindos! A travessia do tempo em marcha perene, sob as injustiças da relação de poder, nos ensinou a vestir o uniforme da miséria e engolir o choro para esconder o sofrimento. A nossa organização e uso de tecnologia credenciam esta plenária ao sucesso.
Viva, a união faz a força!
Silêncio! Poupem energia para os debates. Quais são os problemas? As ferramentas dos opressores nos ajudam a responder e combater o incêndio com o fogo inimigo. Seguremos o peixe de Ishikawa pela espinha e vamos encontrar efeitos e causas. Listar as forças, oportunidades, fraquezas, ameaças e construir o quadro de lutas.
Que diabo é isso?
O bicho?
Que bicho?
O peixe de eixo central derivado em seis espinhas. Conhece a teoria dos seis “M”?
Não, o primeiro “M” é de merda?
Cuidado, ela é durona, dizem que lutou em guerrilha.
Prefiro a labuta, tudo que sei é cortar e carregar.
Talvez, o colega esteja certo, assim como os pássaros que revoam em anúncio do despertar do sábado. O sol que escorrega entre as frestas e invade a privacidade dos que ainda se enroscam sob os lençóis, em busca de sono ou fingem dormir à procura do amor de ontem, vencido pelo cansaço. Os que alinhavam amigos para o encontro no bar em companhia do pagode, futebol e cerveja. Porque ninguém se imagina um fóssil homo sapiens em alguma fatia de tempo adiante ou lembra os homos ancestrais humanos, hoje esfoliados entre as páginas dos livros. Não há de ser nada porque continuamos em multiplicação desordenada para enriquecimento dos poderosos até o fim e sem fronteiras de classes.
No chão, a sombra das folhagens sacudidas pela ventania dança em coreografia plana, despreocupada de senso crítico ou reconhecidos aplausos. O campo, ainda úmido, tingido por um matiz de flores sobre pasto de folhas viçosas, aparadas ao pé da raiz por dentes afiados, hoje alvoreceu pontuado de formigueiros. Afinal, somos um exército de pequenos à procura da sobrevivência, tantos e parcos na capacidade de aglutinar forças para lutar, mas na pornofonia do poema e desafinação melódica reviramos Karl Marx no sepulcro do fracasso.
Um, dois, três, quatro, cinco mil... Vão todos à puta que pariu!
Atenção, camaradas! Chegou a hora do resultado do nosso trabalho.
Ouviu? Trabalhamos e ela diz, nosso. Na comemoração, bebo até cair.
Que espírito combativo.
Nada melhor que sexo, droga e rock ‘n roll.
Escute, fique quieto.
De qual lado, está?
Você me acertou, perdi o ideal. Direita, centro ou esquerda são palavras sem significado, eles querem o poder burguês do dinheiro e se dividem em múltiplos partidos que após as eleições se somam na partilha de cargos e mandam ao inferno a ideologia e à puta que pariu o restante. No final há dois lados: dominadores e dominados. Tem razão quanto ao significado do primeiro “M”.
Alto, corpo transparente contra a luz e pele de leve tom avermelhado ele se levanta. Estende um dos braços acima da cabeça, e que cabeça! O tamanho deve revelar o acúmulo de conhecimento. Sobre a careca, apenas dois fios de pelo que se projetam para cima em semelhança às antenas. Olhar firme. A boca fechada deixa mostrar a saliência de dois dentes escuros em forma de serra e pontas agudas. O silêncio vem em respeito à figura dele que caminha ao púlpito em solene marcha e ostenta na mão levantada, o pedaço de papel que contem o relato. Sobe a pequena rampa e se curva em atitude de respeito à mesa diretora.
Excelências!
Não gosto dele, sujeitinho duas caras.
O colega me interrompe a divagação e repudio com o cenho. Ele entende, abaixa a cabeça e segura as rédeas do falatório.
Elegemos a mortalidade, a questão central; o bicho de quatro patas que anda sobre duas, a motivação; as causas, o desmatar e envenenamento.
Não quer que eu fale, mas acredite, os falsos têm o mesmo DNA.
Meu repressor cede. Remove os tapumes dos ouvidos, me estende o olhar de curiosidade em companhia de leve sorriso, tapete vermelho de boas-vindas à conversa.
Reclamam de falta de recursos para pesquisa e se opõem à iniciativa de mercado. Afirmam ser progressistas, adoram revoluções, mas se escondem sem coragem em seus gabinetes nas universidades e quando aparecem, fingem procedência do Olimpo. São iguaizinhos às lideranças políticas que almoçam filé e vorazes, jantam o dinheiro público.
Ótimo trabalho, palmas! Vamos ao plano de ação.
A marcha ao poder central é nosso feito que vai atravessar gerações. Tem início agora em silêncio, sem armas ou baderna. Levamos nossas famílias, ninguém fica no conforto das instalações batendo panelas, piscando luzes ou nas ruas em piquetes carnavalescos. Os pequenos vão e deixamos para os opressores o ônus da violência, irão responder aos organismos internacionais de direito, o que fizerem contra nós e terão a lama do poço da história em seus rostos. A demonstração de força vai ocorrer em uma quarta-feira, ocasião de maior comparecimento ao plenário, quando esse dia coincidir com o último do mês. Até lá, temos trabalho a realizar, nada diferente do que costumamos fazer.
Ouviu? A sobra do banquete é nossa, enfrentar as oligarquias desarmados. Entende porque vou beber até cair?
– Deputado!
– Doutor, desculpe o cochilo. Basta me sentar e o sonho volta. Preciso que me receite. São noites de insônia, despertar de sobressalto e tormenta desse pesadelo, que revelasse quem são e o que pretendem, poderíamos nos prevenir. Golpe ou revolução cai feito relâmpago, de onde e menos se espera.
– Por que esse pensamento lhe perturba?
– O senhor, conhece. É alerta do subconsciente, vai acontecer algo sério. Não acredito, mas na angústia seguimos a crença das mulheres e dos mais velhos pelo insólito e sobrenatural. Minha esposa me levou a uma criatura predestinada. Uma fulana gorda, vestida numa túnica com padrões esotéricos e dona de saberes: tarô, búzios, interpretação de sonhos, o cardápio não termina aí, mas em fim, já acendi vela pra diabo graúdo, nenhum maior que a tal senhora.
– Por hoje, terminamos. Aqui a receita, tome um comprimido cedo da noite, uma hora após o jantar.
Psicólogos e psiquiatras, pelos menos, os últimos receitam.
– Desculpe doutor, todas as equipes estão na rua. Parece uma praga, a cidade está invadida por ratos, baratas, formigas e cupins.
– Mas, sou o secretário do deputado, venham rápido, nunca vi tantos insetos.
– Houve uma desistência, o gabinete do governo cancelou o pedido. Vou redirecionar a equipe para o endereço do senhor.
– Seja breve!
Ótimo, assim ele sossega e se livra do sonho, o impedimento passou no congresso.
Publicação na XI Bienal Internacional do Livro de PE - 2017
Viva, a união faz a força!
Silêncio! Poupem energia para os debates. Quais são os problemas? As ferramentas dos opressores nos ajudam a responder e combater o incêndio com o fogo inimigo. Seguremos o peixe de Ishikawa pela espinha e vamos encontrar efeitos e causas. Listar as forças, oportunidades, fraquezas, ameaças e construir o quadro de lutas.
Que diabo é isso?
O bicho?
Que bicho?
O peixe de eixo central derivado em seis espinhas. Conhece a teoria dos seis “M”?
Não, o primeiro “M” é de merda?
Cuidado, ela é durona, dizem que lutou em guerrilha.
Prefiro a labuta, tudo que sei é cortar e carregar.
Talvez, o colega esteja certo, assim como os pássaros que revoam em anúncio do despertar do sábado. O sol que escorrega entre as frestas e invade a privacidade dos que ainda se enroscam sob os lençóis, em busca de sono ou fingem dormir à procura do amor de ontem, vencido pelo cansaço. Os que alinhavam amigos para o encontro no bar em companhia do pagode, futebol e cerveja. Porque ninguém se imagina um fóssil homo sapiens em alguma fatia de tempo adiante ou lembra os homos ancestrais humanos, hoje esfoliados entre as páginas dos livros. Não há de ser nada porque continuamos em multiplicação desordenada para enriquecimento dos poderosos até o fim e sem fronteiras de classes.
No chão, a sombra das folhagens sacudidas pela ventania dança em coreografia plana, despreocupada de senso crítico ou reconhecidos aplausos. O campo, ainda úmido, tingido por um matiz de flores sobre pasto de folhas viçosas, aparadas ao pé da raiz por dentes afiados, hoje alvoreceu pontuado de formigueiros. Afinal, somos um exército de pequenos à procura da sobrevivência, tantos e parcos na capacidade de aglutinar forças para lutar, mas na pornofonia do poema e desafinação melódica reviramos Karl Marx no sepulcro do fracasso.
Um, dois, três, quatro, cinco mil... Vão todos à puta que pariu!
Atenção, camaradas! Chegou a hora do resultado do nosso trabalho.
Ouviu? Trabalhamos e ela diz, nosso. Na comemoração, bebo até cair.
Que espírito combativo.
Nada melhor que sexo, droga e rock ‘n roll.
Escute, fique quieto.
De qual lado, está?
Você me acertou, perdi o ideal. Direita, centro ou esquerda são palavras sem significado, eles querem o poder burguês do dinheiro e se dividem em múltiplos partidos que após as eleições se somam na partilha de cargos e mandam ao inferno a ideologia e à puta que pariu o restante. No final há dois lados: dominadores e dominados. Tem razão quanto ao significado do primeiro “M”.
Alto, corpo transparente contra a luz e pele de leve tom avermelhado ele se levanta. Estende um dos braços acima da cabeça, e que cabeça! O tamanho deve revelar o acúmulo de conhecimento. Sobre a careca, apenas dois fios de pelo que se projetam para cima em semelhança às antenas. Olhar firme. A boca fechada deixa mostrar a saliência de dois dentes escuros em forma de serra e pontas agudas. O silêncio vem em respeito à figura dele que caminha ao púlpito em solene marcha e ostenta na mão levantada, o pedaço de papel que contem o relato. Sobe a pequena rampa e se curva em atitude de respeito à mesa diretora.
Excelências!
Não gosto dele, sujeitinho duas caras.
O colega me interrompe a divagação e repudio com o cenho. Ele entende, abaixa a cabeça e segura as rédeas do falatório.
Elegemos a mortalidade, a questão central; o bicho de quatro patas que anda sobre duas, a motivação; as causas, o desmatar e envenenamento.
Não quer que eu fale, mas acredite, os falsos têm o mesmo DNA.
Meu repressor cede. Remove os tapumes dos ouvidos, me estende o olhar de curiosidade em companhia de leve sorriso, tapete vermelho de boas-vindas à conversa.
Reclamam de falta de recursos para pesquisa e se opõem à iniciativa de mercado. Afirmam ser progressistas, adoram revoluções, mas se escondem sem coragem em seus gabinetes nas universidades e quando aparecem, fingem procedência do Olimpo. São iguaizinhos às lideranças políticas que almoçam filé e vorazes, jantam o dinheiro público.
Ótimo trabalho, palmas! Vamos ao plano de ação.
A marcha ao poder central é nosso feito que vai atravessar gerações. Tem início agora em silêncio, sem armas ou baderna. Levamos nossas famílias, ninguém fica no conforto das instalações batendo panelas, piscando luzes ou nas ruas em piquetes carnavalescos. Os pequenos vão e deixamos para os opressores o ônus da violência, irão responder aos organismos internacionais de direito, o que fizerem contra nós e terão a lama do poço da história em seus rostos. A demonstração de força vai ocorrer em uma quarta-feira, ocasião de maior comparecimento ao plenário, quando esse dia coincidir com o último do mês. Até lá, temos trabalho a realizar, nada diferente do que costumamos fazer.
Ouviu? A sobra do banquete é nossa, enfrentar as oligarquias desarmados. Entende porque vou beber até cair?
– Deputado!
– Doutor, desculpe o cochilo. Basta me sentar e o sonho volta. Preciso que me receite. São noites de insônia, despertar de sobressalto e tormenta desse pesadelo, que revelasse quem são e o que pretendem, poderíamos nos prevenir. Golpe ou revolução cai feito relâmpago, de onde e menos se espera.
– Por que esse pensamento lhe perturba?
– O senhor, conhece. É alerta do subconsciente, vai acontecer algo sério. Não acredito, mas na angústia seguimos a crença das mulheres e dos mais velhos pelo insólito e sobrenatural. Minha esposa me levou a uma criatura predestinada. Uma fulana gorda, vestida numa túnica com padrões esotéricos e dona de saberes: tarô, búzios, interpretação de sonhos, o cardápio não termina aí, mas em fim, já acendi vela pra diabo graúdo, nenhum maior que a tal senhora.
– Por hoje, terminamos. Aqui a receita, tome um comprimido cedo da noite, uma hora após o jantar.
Psicólogos e psiquiatras, pelos menos, os últimos receitam.
– Desculpe doutor, todas as equipes estão na rua. Parece uma praga, a cidade está invadida por ratos, baratas, formigas e cupins.
– Mas, sou o secretário do deputado, venham rápido, nunca vi tantos insetos.
– Houve uma desistência, o gabinete do governo cancelou o pedido. Vou redirecionar a equipe para o endereço do senhor.
– Seja breve!
Ótimo, assim ele sossega e se livra do sonho, o impedimento passou no congresso.
Publicação na XI Bienal Internacional do Livro de PE - 2017