A COROA DE FLORES

Morreu um cliente meu; bom cliente.

Deixou descendentes; potenciais clientes.

Para agradá-los encomendei para o velório uma coroa de flores.

Pedi para colocarem nela rosas brancas, que representam paz e harmonia; além de mensagem de consolo à família.

Contivesse, também, crisântemos, que simbolizam a vida completa e harmoniosa, e ensinam que apesar de estarmos tristes pelo falecimento, existe vida após a morte a ser celebrada.

Enfeitasse ela, ainda, com copos de leite, que carregam a mensagem de desejo à família de tranquilidade e calma para lidar com a perda.

E finalizasse com lírios, que representam fartura, amor eterno, desejo de prosperidade e bênçãos para as pessoas que estão em luto.

Bom, isso é o que ensina a filosofia chinesa;

não sei se é verdade, porque nunca fui chinês.

Custou-me tudo trezentos e cinquenta reais.

Mas, como disse, era um investimento.

É, espantado leitor, existem coroas bem mais caras; mesmo as simples estão com preço pela hora da morte !

Perguntei o horário da entrega;

porque queria chegar triunfante junto com a coroa.

Aguardei na calçada o entregador estacionar seu veículo:

esperei ele caminhar resoluto para a capela mortuária.

Alguns passos atrás eu o seguia.

Mas não contava que havia dois velórios.

Dois defuntos.

Um o meu cliente e o outro um antigo conhecido, cujo nome nem me lembro.

O entregador caminhou para a câmara do desconhecido e depositou a coroa ao lado do caixão.

Putz !!!!

Na porta esperei que ele saísse para avisá-lo do engano.

Mas fui surpreendido antes pelos parentes do morto, que cercaram-me e abraçaram-me comovidos.

"Muito obrigado pela homenagem", "não imagina como seu apoio nos trouxe consolo", etc e tal.

O filho do falecido, homem adulto como eu, chorou convulsivamente no meu ombro.

Cacete !!!

Quando consegui livrar-me, o entregador da floricultura já havia ido embora.

Da calçada, pelo celular liguei para a loja reclamando:

"Vocês entregaram a coroa de flores para o morto errado!"

Exigi nova coroa.

O lojista refugou e disse que apenas faria a troca.

"Impossível" - respondi. "Se você fizer isso vai magoar os amigos e familiares do morto surpreso".

Ele respondeu-me que trezentos e cinquenta reais era um prejuízo grande para ele; mas que resolveria o assunto sem melindrar ninguém.

Duvidei.

Mas a sorte estava do lado da floricultura.

O morto desconhecido seria sepultado logo na próxima hora.

E o falecido que me interessava seria sepultado na manhã do dia seguinte.

Adivinhei o que faria o pilantra do comerciante.

Fiquei a observar o entregador e o dono da floricultura misturarem-se com os amigos e familiares do defunto errado.

Acompanharam o féretro, que aqui em Araçatuba significa apenas atravessar a rua, pois o cemitério é do outro lado.

Aguardaram o sepultamento, o empilhamento das coroas sobre a cova e a irem embora os últimos acompanhantes.

Os dois pilantras então desavergonhadamente procuram no monte a minha coroa e roubaram-na.

O entregador colocou-a na cabeça e fugiu para os fundos do cemitério, onde tem um pequeno portão junto ao qual, estrategicamente, ele deixara o carro de entrega.

O dono da floricultura pirulitou-se atrás do empregado.

O coveiro, que vira tudo de longe, correu gritando:

"Pega ladrão!"

Ao passar ao meu lado disse:

"Vou chamar a polícia. Fique aqui para ser testemunha".

Pirulitei-me também.

Na porta da capela do velório encontrei os ladrões a jogarem água fresca nas flores da coroa.

Esperei e entrei.

Fui saudado com indiferença.

Cumprimentei a viúva e, atrapalhado por toda confusão, disse-lhe:

"Parabéns! Você está linda de preto."

Nunca mais vi nenhum herdeiro.

Tem razão o ditado:

"Quem é morto sempre desaparece".

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Sajob,

Araçatuba, 18-10-2015 + 2

Obrigado pela leitura.